quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PSICOLOGIA DA MÚSICA


As perguntas sobre o por que dos efeitos da música no ser humano são quase tão antigas quanto a própria civilização. Na Grécia antiga, Pitágoras não só sabia das relações de simetria presentes nos intervalos de altura (de freqüência sonora) e nas estruturas intervalares entre as notas, como as usava como parte da formação de uma cosmogonia complexa e influente historicamente, baseada na matemática. Um importante dissidente da posição matemática do pitagorismo foi Aristoxenus (c320 a.C.), que defendeu energicamente que a música não pode ser entendida unicamente através da consideração de relações matemáticas. Ele preconizou o moderno estudo da psicologia da música, alegando que os fenômenos musicais são perceptivos e cognitivos na sua essência, e devem ser estudados como uma ciência experimental.

Durante a Idade Média, o estudo da música que fazia parte das matérias básicas de estudo (o quadrivium) era baseado quase que exclusivamente em relações matemáticas entre diferentes notas musicais e suas fontes sonoras (cordas, tubos de ar etc.).

No período barroco que precede a formação do atual método científico, as relações entre música e psique são subordinadas e relacionadas principalmente com termos da retórica, especialmente através do desenvolvimento da teoria dos afetos. Da mesma forma que, de acordo com antigos escritores, como Aristóteles, Cícero e Quintiliano, os oradores empregavam meios da retórica para controlar e dirigir as emoções das suas audiências, também deveria o orador "musical" (ou seja, o compositor) suscitar o 'afeto' (isto é, as emoções) do ouvinte. Foi a partir desta terminologia retórica que teóricos musicais, a partir do séc. XVI, tentaram racionalizar os afetos, os estados emocionais ou paixões. A partir de 1600 os compositores geralmente procuravam expressar em sua música vocal os afetos tais como foram classificados nos textos de teoria musical, por exemplo, tristeza, raiva, ódio, alegria, amor, ciúme etc. Durante os séculos XVII e início do XVIII, isto significava que a maioria das composições (ou, no caso de mais obras, seções individuais ou movimentos) expressavam, cada uma, um único afeto. Compositores em geral procuraram uma unidade racional que era imposta a todos os elementos de uma peça (harmonia, tonalidade, figuras melódicas etc.) por seu afeto. Nenhuma "teoria geral dos afetos" foi, porém, estabelecida pelos teóricos do período barroco.

G.B. Benedetti é considerado como tendo sido o primeiro a relacionar as sensações de altura e consonância com as freqüências de vibração. E Vicenzo Galilei, o pai de Galileu Galilei, fez uma série de importantes descobertas. Contra uma abordagem racionalista à música, e em especial explicações baseadas apenas em simples relações numéricas, ele sustentou que a percepção musical deve ser considerada como uma ciência empírica. Na mesma linha, antecipando muitos psicólogos nos dias de hoje, Galilei alegou que as polêmicas sobre sistemas de afinação eram inúteis, uma vez que as pequenas diferenças de afinação em questão não eram perceptíveis.

Cientistas das fases iniciais da revolução científica, como Mersenne, Galileu, Kepler, Huygens e Descartes, contribuíram para a compreensão da percepção musical. Nesta época, as relações entre as alturas e as freqüências foram estabelecidas em cordas, tubos e sinos, com cuidadosa documentação do envolvimento de outros fatores, tais como material, espessura e tensão (no caso das cordas). Entre o notável grupo de cientistas deste período, aquele que mais contribuiu para o estudo empírico da música foi Mersenne, cuja Harmonie universelle (1636-7), é um marco na história do assunto.

No séc. XIX, Helmholtz foi o primeiro a fornecer uma base científica para a estética musical, ao tentar demonstrar como a altura é analisado pelo ouvido e como timbres, intervalos, acordes, escalas e tonalidades poderiam estar relacionados com a estrutura dos harmônicos em tons puros. O título completo de seu Die Lehre von den Tonempfindungen als physiologische Grundlage für die Theorie der Musik (Sobre a sensação da nota musical como uma base fisiológica para a teoria da música - 1863) indica a sua ambição de dissipar o fosso entre física e psicoacústica, por um lado, e musicologia e estética de outro.

Diferentemente de Helmholtz, o filósofo Carl Stumpf (1848-1936) não tinha seu próprio laboratório, mas fez suas observações em outras instituições em física ou fisiologia, ou utilizando igrejas, órgãos, trabalhando com músicos - por exemplo, o violinista Joseph Joachim - e, não menos importante, baseando-se na sua própria experiência como músico. Sua Tonpsychologie (1883-90) é um extenso tratamento da percepção e julgamento dos tons, em sucessão (Vol.I) e ouvidos simultaneamente (Vol.II). Em vários tópicos, ele previu resultados que seriam confirmados apenas muito mais tarde, em investigações mais controladas.

Enquanto professor de Física na Universidade de Berlim, o mais importante dos alunos de Hermann Helmholtz foi Wilhelm Wundt. Wundt trabalhou nos laboratórios de Helmholtz's durante mais de uma década antes de instalar seu próprio laboratório na Universidade de Leipzig. Wundt é considerado um dos fundadores da moderna psicologia. Seu legado encontra-se em todo o domínio da moderna psicologia experimental.

Como professor de Filosofia na Universidade de Berlim, Carl Stumpf produziu um extraordinário grupo de estudantes. Seu aluno, Edmund Husserl, fundou o campo filosófico da Fenomenologia. Três estudantes de Stumpf's - Max Wertheimer, Wolfgang Köhler e Kurt Koffka, posteriormente fundaram a Escola de Psicologia Gestalt. O interesse de Stumpf pela música não-européia foi provocada, entre outros, pela leitura dos trabalhos do erudito britânico Alexander Ellis. Ellis também foi o tradutor inglês do livro de Helmholtz. Três outros estudantes foram importantes no desenvolvimento da idéia de Stumpf de musicologia comparativa -- que depois se converteu na atual etnomusicologia: Erich Hornbostel, Otto Abraham e Curt Sachs. Por ser judeu, Sachs abandonou a Alemanha de Hitler e emigrou para os Estados Unidos antes da Segunda Grande Guerra, onde se tornou altamente influente na formação de inúmeros musicólogos.



Durante o desenvolvimento da psicologia no séc. XX, entre suas várias vertentes, Carl E. Seashore (1866-1949) reuniu um grande grupo de investigadores da Universidade de Iowa (EUA), onde investigou o desempenho da música no piano, no violino e no canto, utilizando equipamentos especialmente concebidos para a gravação de tempos exatos, dinâmica e entoação; assim, ele demonstrou inúmeros 'desvios' do que está denominado como "exato" na partitura musical. Esta pesquisa foi interrompida pela Segunda Guerra Mundial, mas muitos dos resultados (por exemplo, sobre vibrato) agora são norma em textos sobre música e psicologia.

A relação entre música psicologia durante o século 20 foi centrada em quatro temas principais: (a) a representação cognitiva de altura e ritmo (e sua participação na geração das propriedades de harmonia e melodia), (b) o desenvolvimento das competências e habilidades musicais; (c) processos subjacentes à execução musical; e (d) os processos afetivos associados à audição musical (por exemplo, gosto, ou emoção). Quase todo o trabalho foi direcionado para a música da tradição ocidental tonal, com particular concentração no período posterior a Bach.

Sobre o desenvolvimento da psicologia experimental e cognitiva durante a segunda metade do s. XX, alguns pontos devem ser destacados para reflexão:

(A) A relação mensurável entre propriedades do som e acontecimentos mentais não é simples. A mente humana tanto acrescenta quanto subtrai informações da acústica, de maneiras complexas e por vezes contraditórias.
(B) Estas relações são ainda mais complexas quando se leva em conta por uma série de diferenças individuais com base em fatores como idade, experiência musical, contexto social e desenvolvimento biológico.
(C) A música é multi-dimensional em sua essência, e, embora seja possível obter alguma compreensão do funcionamento de cada dimensão em isolamento, a interação destas dimensões na música cria complexidades combinatórias que limitam severamente a taxa de progresso científico na compreensão das mais simples seqüências musicais.
(D) As dimensões da música que figura no tradicional discurso musical (altura, ritmo, harmonia, forma) têm-se revelado conceitos frutíferos de investigação psicológica, e geralmente têm sido esclarecidos, e não contestados, por resultados psicológicos.
(E) Apesar das habilidades demonstradas pelo sistema perceptivo humano para aprender a lidar com o aumento dos níveis de complexidade musical, existem limites psicológicos que colocam limites quanto ao tipo de informação que o ser humano pode, mesmo em princípio, extrair e armazenar a partir de uma fonte musical. A Psicologia, portanto, oferece um grande desafio à alegação de que a audiências são infinitamente educáveis pelo desenvolvimento histórico da música. É possível que uma música possa não ser compreensível pelos ouvintes, mesmo em princípio (Lerdahl em Sloboda, 1988).

Fontes:

MELLO, Marcelo. Reflexões sobre Lingüística e cognição musical. Tese (mestrado); Universidade Estadual de Campinas, 2003.

SADIE, Stanley. The New Grove Dictionary of Music and Musicians: verbetes Afekts, Psychology of music. Documento online (World Wide Web): http://www.grovemusic.com/.

HURON, David. Music Psychology in 19th Century. Music 829F History of Music Psychology, documento online http://dactyl.som.ohio-state.edu/Music829F/Biographies/german.geneology.html (último acesso 2008/03/17).

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