sábado, 12 de maio de 2012

Julgamento em Nuremberg

 

Ficheiro:Nuremberg-1-.jpg

Julgamento de Nuremberg. À frente, de cima para baixo: Hermann GöringRudolf HeßJoachim von RibbentropWilhelm Keitel. Atrás, de cima para baixo:Karl DönitzErich RaederBaldur von SchirachFritz Sauckel.

Julgamento em Nuremberg

Epílogo da tragédia



Nuremberg foi palco dos maiores triunfos nazistas. As reuniões do partido; as leis raciais; os mais importantes discursos de Hitler. Mas em 1946 o regime nazista estava extinto; Hitler morto e Nuremberg em ruínas. Mas a cidade voltava a despertar a atenção mundial, com vinte e um homens, abatidos, respondendo pelos mais horríveis crimes da História.


Nêmesis


O espetáculo dos líderes alemães de­postos, tendo suas vidas submetidas a julgamento, dá ao mundo imediato do pós-guerra um dos maiores assuntos de conversa. Esse não foi o primeiro proce­dimento judicial dessa espécie da Histó­ria, pois outros já haviam sido responsa­bilizados por infringirem as regras da guerra. O julgamento de Nuremberg, no entanto, realizou-se em escala sem prece­dentes, e logo tornou-se claro que os crimes com que o tribunal estava lidando eram de magnitude incomparável.

Criticam-no, nos últimos anos, especi­almente sob os aspectos que tratam das duas primeiras categorias de delitos in­corporadas à Carta do Tribunal Militar Internacional, ou seja, "Crimes contra a Paz" (planejar ou travar guerra de agres­são, ou guerra que viole tratados in­ternacionais) e "Crimes de Guerra" (vio­lação das leis ou costumes de guerra). Brados de "hipocrisia!" têm ecoado entre os pacifistas militantes, nos casos de Suez, Hungria e Tchecoslováquia, especial­mente - e de modo injusto - durante toda a prolongada agonia do Vietnã, com respeito à ação aliada na primeira categoria, ao passo que a probabilidade de "crimes de guerra" terem sido come­tidos pelos vencedores e, assim, escapan­do ao castigo destinado aos derrotados, sempre preocupou a consciência de ho­mens racionais, especialmente dos que já viveram a tensão e o calor da batalha.

O que em geral não se observa, e que o Dr. Kahn torna claro em sua avaliação calma e lúcida dos eventos de que trata, é que os membros do tribunal estavam igualmente cônscios da pos­sibilidade de se transformar em arma de dois gumes qualquer condenação que pu­dessem pronunciar sobre o assunto "cons­piração para fazer guerra" e, mais ainda, das pressões da batalha sobre todos os que dela participam. Como resultado dis­so, dos vinte e dois homens que se sen­taram no banco dos réus em Nuremberg, os onze que foram condenados à morte também haviam sido considerados culpa­dos de delitos incluídos na quarta catego­ria - "Crimes contra a humanidade."

A lista das monstruosidades cometidas pelos líderes da Alemanha nazista que, sem qualquer sombra de dúvida, se en­quadram nesta definição é um catálogo de horrores. O Juiz Jackson, ao sintetizar o libelo acusatório, assim iniciou: Ne­nhum meio-século testemunhou massacre em tal escala: crueldades e desumanida­des inimagináveis, condenação de povos inteiros à escravidão, aniquilamentos de minorias. O terror de Torquemada se eclipsa diante da Inquisição Nazista.

Não era crível que os responsáveis pela tortura, humilhação e morte de tan­tos homens e mulheres na maneira esbo­çada pela acusação (e que não foi negada pela defesa) escapassem ao castigo. Sob este aspecto, a escala do crime por certo é moralmente condenável. Há alguns anos desenvolve-se uma escola de propaganda pró-nazismo que vem tentando reabilitar a repulsiva filosofia que a consciência do mundo rejeitou, afirmando que "a ques­tão da eliminação dos judeus tem sido flagrantemente exagerada. Seis milhões de judeus mortos nos campos de concentra­ção? Sabemos agora que não pode ter ha­vido mais de cem mil!"

Se apenas dez seres humanos morre­ram como resultado do trabalho da má­quina de extermínio instalada em Aus­chwitz ou Treblinka, então os condena­dos à morte em Nuremberg foram plena­mente merecedores da pena que rece­beram, e a história da nação liderada por esses homens maculou-se para todo o sempre. Para aquele que foi atirado à as­fixia no interior da notória casa de ba­nhos em Auschwitz, a idéia de que era apenas um entre muitos milhares não ser­viria para aliviar-lhe o desespero e agonia. E, naquela época, o assassinato - come­tido seja lá como fosse - era em todo o mundo considerado crime capital. O ape­lo à retroação da lei é apenas pretexto, e nada mais que isso, para confundir e mis­tificar. Homens que tramam degradar, torturar e matar devem aprender que a sua vida não é mais valiosa que a da cria­tura que pretende eliminar, por mais in­significante que ela possa a seus olhos parecer. O homem nascido no seio de uma raça que em certo momento se tor­na pouco respeitada oferece menos pe­rigo para o mundo que aquele que inte­gra uma raça imbuída de uma filosofia de ódio ou desprezo.

O Tribunal Militar em Nuremberg pro­porcionou um julgamento e uma conde­nação justos aos que foram levados à sua presença. Talvez algumas das sentenças de prisão fossem demasiado brandas ou demasiado severas, mas, como o juiz francês, Donnedieu de Vabres, afirmou com a lógica tradicional - embora ago­ra talvez um tanto incomum - em seu país: A sentença, no caso de grandes cri­minosos de guerra, é a expressão da jus­tiça humana, portanto, relativa e falível. Ela reflete, como é normal, a boa-fé, a competência, e talvez também os precon­ceitos dos seus autores. Talvez não seja idêntica ao julgamento da História ou ao julgamento de Deus. Contudo, as distin­ções e matizes que contém, e sua mode­ração relativa, provam que, pelo menos, não é a expressão de uma justiça empe­nhada em vingança.

Os que estão dispostos a encontrar apenas falhas nos julgamentos de Nurem­berg deveriam pensar nas alternativas. Mussolini foi linchado e pendurado pe­los calcanhares ao lado de sua amante relativamente inocente; aviadores aliados foram vítimas de linchamentos realizados por turbas alemãs durante a guerra, e mulheres alemãs foram estupradas por soldados aliados de todas as raças, a pre­texto de vingança. Não fosse o fato de os julgamentos dos culpados terem sido pro­clamados - e realizados em Nuremberg com objetividade suficiente para demons­trar sua integridade - a vingança indis­criminada ter-se-ia descarregado sobre toda a Europa, com uma resultante de hostilidades que lembram as da Sicília e que atribulariam o mundo durante ge­rações.

Singularmente, os que condenam o que se fez em Nuremberg não têm apresenta­do qualquer alternativa para ó que ali se passou. Limitam-se apenas a criticar.



Origens do julgamento de Nuremberg

Durante muitos meses de 1945 e 1946 o julgamento dos grandes criminosos de guerra em Nuremberg fascinou o mundo inteiro. Havia um irresistível quê de dra­ma intenso no espetáculo desses homens, até bem pouco governantes da maior parte da Europa e senhores de vida e morte de milhões. Lutaram pela própria existência, sentados no banco dos réus. As pessoas mais ponderadas viam no jul­gamento, entretanto, mais que a simples sensação do momento. Tinham escutado falar na escalada de crimes cometidos com tal sangue-frio que a mente civiliza­da só a muito custo concebia a sua efe­tivação, mesmo depois de cinco anos de guerra. Um tribunal internacional, com­prometido com regras rígidas de evidên­cia elaboradas por sistemas jurídicos na­cionais durante séculos de experiência e requinte crescentes, certamente distingui­ria a verdade indiscutível do boato infun­dado, e avaliaria com exatidão a culpa das pessoas, individualmente. Ao fazer isso, ele iniciaria uma nova era no de­senvolvimento da justiça penal internacio­nal e, assim, promoveria a causa que todos desejavam: o estabelecimento de um sistema de lei e ordem entre as na­ções. Na verdade, eram grandes espe­ranças; grandes demais para serem intei­ramente cumpridas.

Muito aconteceu desde então, e com rapidez cada vez maior. Inimigos torna­ram-se aliados, e aliados, inimigos; outras guerras e atrocidades ocorreram. Os vinte e dois acusados de Nuremberg e seu des­tino são história passada, para a nova geração, e apenas um punhado dos seus nomes é lembrado. Embora acreditemos que o julgamento de Nuremberg tenha pelo menos lançado as bases para a apli­cação internacional da justiça, temos que admitir que o progresso tem sido exces­sivamente lento e que os resultados prá­ticos são ainda quase imperceptíveis.

Quando as esperanças são insensata­mente altas, é fatal que o desapontamen­to seja igualmente exagerado. Quando hoje se fala do julgamento de Nurem­berg, normalmente é com ar de constrangimento, senão com declarado desdém. "Um julgamento de exibição, no modelo totalitário", dizem muitos; "um caso típi­co de ai dos vencidos!" À primeira vista, a afirmação parece plausível, porque con­tém um grão de verdade. O julgamento, evidentemente, teve um elemento políti­co, na medida em que muitas das ações a serem julgadas eram, em sentido amplo, de caráter político. A criação do tribu­nal e o preparo da sua carta foram o re­sultado de negociações realizadas pelos Quatro Grandes entre as nações vitorio­sas e, por certo, considerações políticas também desempenharam seu papel. Mas os trabalhos em Nuremberg não foram um julgamento de exibição e jamais pre­tenderam sê-lo. Ao contrário, veremos que, embora se fizessem tentativas esporá­dicas, dentro e fora da sala de julgamen­to, de transformar o tribunal num instru­mento de política, os juízes afirmaram com coerência e firmeza sua independên­cia e a supremacia da lei sobre qualquer conveniência política. Seja o que for que se possa pensar sobre seus aspectos con­trovertidos, o julgamento esteve sempre dentro dos melhores padrões de justiça.

Os fatos principais revelados ou con­firmados em seu decorrer formam agora parte do acervo comum do nosso conhe­cimento histórico e os arquivos de Nu­remberg são uma fonte adequada para os estudos eruditos dos detalhes. Mas acre­ditamos realmente que valha a pena tor­nar a contar, hoje, a história do próprio julgamento. Em primeiro lugar, ele cons­titui uma experiência grande e imaginati­va, do ponto de vista de legislação e pro­cedimento penal, e suas lições são ainda muito apropriadas. Os problemas básicos com os quais o tribunal de Nuremberg teve de lidar também são problemas pre­sentes e futuros, e a maneira como ele tentou resolve-los é instrutiva, em sentido positivo e negativo: em certos pontos, teve êxito; em outros, falhou. Queremos saber como teve êxito, e por que falhou. A história que se pode contar tem agora tanto interesse humano como na época despertaram os relatórios, embora hoje esse interesse seja de tipo diferente, por estarmos menos envolvidos emocional­mente, e por haver-se dissipado a atmos­fera carregada de dramaticidade. Por ou­tro lado, uma compreensão muito mais profunda das motivações e reações dos homens que ocuparam o palco em Nu­remberg pode ser captada: não só dos acusados, como também dos acusadores, defensores e juízes. Ao contrário do leitor de jornais de vinte e cinco anos atrás, não precisamos tirar conclusões exclusi­vamente do que foi ouvido e visto nas sessões públicas do tribunal. Muitos dos que estiveram envolvidos, numa ou noutra posição - desde alguns dos acusados até o carrasco - publicaram suas memórias e comentários. Sabemos agora muita coi­sa sobre as atitudes e o estado de es­pírito dos prisioneiros quando não estavam no banco dos réus. Sabemos tam­bém das dissensões havidas entre promo­toria, advogados de acusação e magistra­dos, em virtude de algumas deliberações dos juízes, tomadas sob a tensão de uma responsabilidade imensa. São esses vis­lumbres dos bastidores que dão à nossa história o fascínio inexistente nos regis­tros oficiais do tribunal.

Levar os principais nazistas ao tribunal não foi, como às vezes se afirma, uma decisão tomada precipitadamente no pri­meiro entusiasmo da vitória; ao contrá­rio, esta se tornara uma das metas de guerra dos aliados, declarada já nos pri­meiros estágios do conflito. Além disso, a maneira como isso deveria ser feito fora assunto de estudos e debates prolon­gados.

A cadeia de acontecimentos iniciou-se no outono de 1941, quando se tornou público que os alemães estavam executan­do sistematicamente os reféns inocentes na França, em represália aos ataques às forças alemães de ocupação. A 25 de ou­tubro, o Presidente Roosevelt denunciou vigorosamente essa ilegalidade, e advertiu que os responsáveis pelo estabelecimento dessas medidas seriam um dia punidos. Winston Churchill, falando na Câmara dos Comuns, associou imediatamente seu governo à declaração do presidente. "A punição desses crimes -, disse ele, "deve­ria ser agora incluída entre as metas prin­cipais da guerra.- Pouco mais tarde, o governo da União Soviética lançou um protesto diplomático, sobre as atrocida­des infligidas aos prisioneiros de guerra e civis russos, onde declarava que o gover­no de Hitler seria considerado responsá­vel pelos crimes cometidos pelas tropas alemães.

À medida que os relatórios sobre o terrorismo alemão continuaram chegan­do, essas declarações gerais de intenção foram seguidas de propostas algo mais concretas. Em Londres, os representan­tes dos oito governos exilados, Bélgica, Tchecoslováquia, Grécia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Polônia e Iugos­lávia, e a Comissão Nacional Francesa, formaram a Conferência Interaliada (mais tarde: Comissão) de Punição por Crimes de Guerra, que faria a primeira tentativa de esclarecer os complexos pro­blemas implicados e de criar um pro­grama. Nas sessões desse organismo já eram evidentes algumas abordagens fun­damentalmente diferentes. Assim, uns delegados insistiam em que o castigo dos criminosos de guerra deveria ser baseado na lei do país em que o crime fora co­metido; outros, favoreciam a introdução de novos princípios de direito penal inter­nacional. O General De Gaulle, falando pelos franceses livres, foi o primeiro a afirmar que não só os excessos praticados eram crimes passíveis de punição, mas também as guerras de agressão, pelos quais os líderes alemães deveriam ser responsabilizados. Contudo, na época, tal afirmação parece não ter causado muita impressão. Não se pôde chegar a ne­nhum acordo final sobre todos os pon­tos controvertidos, mas já a 13 de ja­neiro de 1942 a Conferência emitiu uma declaração, conhecida como a "Declara­ção de Saint James", que continha algu­mas diretrizes importantes. Os criminosos de guerra deveriam ser punidos, não por ação executiva, mas através de processo judicial. Tanto os agentes como os que deram as ordens seriam considerados cul­pados do crime. Era essencial uma soli­dariedade internacional no trato do pro­blema, para impedir que a população vitimada buscasse vingança anárquica.

Os governos do Reino Unido e dos EUA, ao declararem, a 7 de outubro de 1942, a disposição de criar a "Comissão das Nações Unidas para Crimes de Guer­ra", deram passo importante no estudo do problema. À "Comissão" cabia, pre­cipuamente, identificar as responsáveis por crimes conhecidos, recolher e avaliar provas. A declaração dos dois governos desestimulava represálias em massa, mas garantia que os responsáveis por assas­sinatos organizados e outras atrocidades não ficariam impunes. Ela foi adotada por todas as nações aliadas, com uma ex­ceção significativa: o governo soviético tentou obter uma posição preponderante, exigindo que as repúblicas-membros da União Soviética fossem separadamente representadas na Comissão. Quando a exigência foi recusada, os russos criaram a Comissão Extraordinária Estatal So­viética para Investigar Crimes de Guerra. Na vã esperança de que o governo soviético pudesse mudar de idéia, a CNUCG ficou no estágio do planejamen­to por algum tempo. Entrementes, grupos especiais de estudo trabalhavam arduamente nos aspectos legais das acusações. Pelo menos um deles, a Assembléia In­ternacional de Londres, fundada pelo Visconde Cecil of Chelmwood, teve con­siderável influência sobre as decisões ul­teriores, especialmente por considerar que as guerras de agressão e o genocídio eram crimes especificados no direito in­ternacional, e que deveriam ser subme­tidas a julgamento as pessoas que por eles fossem responsabilizadas.

Em outubro de 1943, dois outros pon­tos importantes relacionados com o pro­blema foram resolvidos. Um deles foi o estabelecimento oficial da CNUCG, que realizaria o trabalho preparatório indispensável para futuras denúncias. As oportunidades de adquirir provas docu­mentais e para indicar os indivíduos sus­peitos de crimes de guerra foram, evi­dentemente, limitadas enquanto a guerra durou. Não obstante, em março de 1945, a comissão havia compilado cinco dessas listas, com mais de 2.000 nomes, e os governos representados na ONUCG ha­viam proporcionado considerável con­junto de fatos detalhados. Também é evidente que apenas um punhado das pessoas relacionadas estavam em posição de serem classificadas como "grandes" criminosos de guerra; portanto, o traba­lho de verificação de fatos da comissão teve menor influência sobre o julgamento principal de Nuremberg do que sobre muitos outros julgamentos que se se­guiram.

O outro acontecimento foi uma decla­ração, assinada por Roosevelt, Churchill e Stalin, após uma conferência de mi­nistros do exterior, realizada de 19 a 30 de outubro em Moscou. Essa "Declara­ção de Moscou" é particularmente digna de nota, por ter sido a primeira decla­ração básica de política feita conjunta­mente pelas três grandes potências. Se­gundo afirmava a "Declaração", os cri­minosos de guerra seriam divididos em dois grupos: "grandes" e "pequenos" cri­minosos. Quanto ao primeiro grupo, estabelecia que: "Os oficiais alemães e membros do Partido Nazista que consen­tem nas atrocidades, massacres ou exe­cuções, ou que ordenem a sua realização, serão devolvidos aos países onde cometeram tais atos, para que possam ser julga­dos e punidos segundo as leis dos países libertados e dos governos livres neles es­tabelecidos." Observe-se a palavra "con­sentem". No que respeita ao segundo grupo, a declaração ficou deliberadamen­te vaga. Ela simplesmente dizia que aque­les cujos crimes não tinham nenhuma lo­calização geográfica particular "seriam castigados por decisão conjunta dos go­vernos dos Aliados", não fazendo qual­quer tentativa para definir os crimes "sem localização geográfica particular". Tampouco os signatários se compromete­ram sobre se as sentenças seriam pronunciadas por meio de um julgamento formal ou através de algum procedimen­to sumário.

Até esse momento, o mundo livre não se mostrara propenso a culpar a nação alemã, como um todo, pelos horrores da guerra. A idéia de culpa coletiva, ainda amplamente aceita durante e depois da Primeira Guerra Mundial, era agora qua­se que universalmente considerada primi­tiva e injusta; os pronunciamentos ofi­ciais a rejeitaram muitas vezes. Mas os quatro anos de luta desesperada pela sobrevivência, com seu cortejo de sofrimen­tos, medos e privações, ensejariam fatal­mente o embrutecimento das mentes até mesmo daqueles que se haviam conser­vado fiéis às atitudes civilizadas do tempo de paz. Depois de enfrentarem os rigores da guerra total, na qual as distinções en­tre soldados e civis, alvos militares e não militares, se haviam tornado quase inex­pressivas, não é de espantar que poucos pude sem distinguir cuidadosamente en­tre alemães culpados e inocentes ou os diferentes graus de culpa.

Havia outro fator cujo impacto moral não deve ser subestimado. Com repug­nância, um mundo relutante foi final­mente obrigado a aceitar como verdadei­ros os relatórios do que os nazistas chamavam, com cinismo repulsivo, "a So­lução Final da Questão Judia." Era algo para o qual termos como "perseguição" ou "pogrom" já não eram mais adequa­dos. O extermínio planejado de todos os judeus na Europa central e oriental evi­dentemente exigia dezenas de milhares de carrascos e uma organização imensa. Só para as pessoas que não têm experiên­cia pessoal de um regime totalitário é que é difícil crer que pudesse haver, na Ale­manha, alguém que não soubesse disso.

Não foi somente a magnitude do crime que fez da Solução Final um fenômeno especial. A perseguição implacável de adversários políticos, a selvageria na bus­ca da vitória, o saque, o estupro e o as­sassinato por parte de uma soldadesca brutalizada - todas estas eram coisas que haviam acontecido antes e tem acon­tecido depois. É horrível que tivessem que ocorrer no século XX, e no coração da Europa, mas não estavam fora dos padrões reconhecidos do comportamento - por demais - humano. Mas o pro­cesso sistemático, prolongado e burocra­ticamente controlado de exterminar mi­lhões de vítimas que não ofereciam ne­nhum perigo e cuja morte não dava ne­nhuma vantagem aos assassinos só podia ser interpretado como a manifestação de uma mente enferma; e toda a nação ale­mã parecia estar afetada pela doença. Esta nação, simplesmente, tinha de ser esmagada e reduzida à impotência, até curar-se do mal.

O endurecimento temporário das ati­tudes dos Aliados teve como expressão o Plano Morgenthau. Num memorando datado de 6 de setembro de 1944, o Secre­tário do Tesouro norte-americano, Henry Morgenthau Jr., propôs que, depois da guerra, a Alemanha devia ser dividida em pequenas unidades políticas, ter suas ins­talações industriais desmanteladas e suas minas destruídas. Devia ser transformada num país puramente agrícola, pobre e impotente. Que tal plano irrealista e cruel pudesse ser sugerido por um homem que, segundo dizem todos os que o conhece­ram, era uma pessoa culta e de grande inteligência, e que ele pudesse ser levado a sério por políticos responsáveis, é uma indicação do ressentimento manifestado em muitas partes, na época. O Plano Morgenthau foi inicialmente aceito, de forma abrandada, por Roosevelt e Chur­chill na Conferência de Quebec, realizada no fim daquele mês. Esse fato transfor­mou-se no prato favorito dos inimigos da Democracia que, baseados na aprova­ção de tal Piano, afirmavam que as demo­cracias praticamente não eram menos bárbaras do que os nazistas mas, eviden­temente, isso é absurdo, como veremos. É compreensável que, por algum tempo, as pessoas voltassem ao espírito do Tratado de Versalhes, de 1919, e à idéia de castigo coletivo; fato realmente importan­te - e muito recomendável - sobre o Plano Morgenthau é que ele permaneceu um episódio sem conseqüências. Foi imediata e vigorosamente combatido dentro do Gabinete dos Estados Unidos, especialmente pelo Secretário de Estado, Cor­dell Hull, e pelo Secretário da Guerra, Henry L. Stimson. A notícia da sua existência chegou à imprensa norte-americana e foi amplamente discutida nos Es­tados Unidos e na Grã-Bretanha. Logo tornou-se notório que o peso da opinião pública era-lhe francamente contrário, diante do que o plano foi para sempre abandonado.

Por último, devemos citar um memo­rando apresentado por três membros do Gabinete dos EUA ao Presidente Roosevelt, a 22 de janeiro de 1945, na véspera da sua conferência com Churchill e Stalin em Yalta. Esse memorando na realidade não foi discutido na conferência, mas esclarecia a posição norte-ame­ricana sobre dois pontos que até então só tinham sido considerados vagamente. O memorando recomendava, em primeiro lugar, que certas organizações nazistas, como a Gestapo e as SS, deviam ser acusadas, assim como os líderes nazistas; segundo, que tanto os líderes como as organizações deveriam ser responsabilizados não só por delitos específicos, mas também "por participação conjunta num amplo empreendimento criminoso que incluía e planejava esses atos, ou fora relativamente calculado para realizá-los". Isso queria dizer que o conceito legal anglo-saxônico de "conspiração" deveria ser aplicado no proposto julgamento dos principais criminosos de guerra. Como esta acusação de conspiração viria a de­empenhar um papel muito importante, devemos acrescentar aqui algumas palavras de explicação. Uma regra geralmen­te aceita é que, se um homem planeja um crime, mas não o comete nem participa do seu cometimento, não será criminal­mente responsável. Igualmente também quando ele tenha sido impedido de exe­cutar seu plano pelas circunstâncias, ou o tenha reconsiderado. Tampouco impor­ta se outros adotam seu plano e o executam. Contudo, se várias pessoas combi­nam planejar um crime, então, na Grã­-Bretanha e nos EUA, isto talvez baste para tornar cada uma delas culpada do crime especial de conspiração. Essa lei tem sido uma arma de sucesso, muito usada na luta contra o gangsterismo nos Estados Unidos. Sem ela, poucos dos "chefões" que não aparecem poderiam ter sido condenados. Naturalmente, de todos os gangsters, os chefes ocultos eram os mais perigosos, e moralmente os mais culpados.

Portanto, essa era a posição quando do fim da guerra. Entre as Nações Uni­das, havia unanimidade quanto à ma­neira como os responsáveis por atrocida­des localizadas, os criminosos "menores", deveriam ser tratados. Mas no tocante aos "grandes" criminosos de guerra, só havia concordância sobre um ponto: eles teriam de pagar pelos seus crimes e de­viam ser punidos de acordo com prin­cípios internacionalmente aceitos. Somen­te desse modo é que se poderia manter dentro de limites controlados a exigência universal de uma punição justa. Durante a guerra, fora fácil fazer admoestações solenes e declarações gerais de intenção; mas agora, confrontados com problemas políticos e jurídicos de grande comple­xidade, os vencedores tinham de tomar decisões práticas. Os vários organismos consultivos, dos quais já falamos, haviam feito um trabalho minucioso e de valia, mas a verdade indiscutível que surgiria das suas discussões é que não existia uma solução ideal; cada um dos meios sugeridos apresentava vantagens e des­vantagens. E como os princípios da ju­risprudência internacional - um ramo muito pouco desenvolvido do direito - não prescrevia um procedimento obriga­tório e claramente definido ao se aplicar nesta situação sem precedentes, as pri­meiras decisões, as decisões básicas, tinham de ser tomadas no nível político. Sendo assim, era inevitável que aos Qua­tro Grandes - as mesmas potências que compartilhavam do domínio soberano da Alemanha vencida - caberia o fardo da tomada de decisão.

Deveria haver um julgamento formal dos principais criminosos de guerra? Esta era a primeira pergunta; sobre ela a opi­nião pública estava nitidamente dividida. Para alguns, o princípio da legalidade es­trita era o único digno de nações demo­cráticas. Outros achavam que os papéis desempenhados pelas principais personalidades do Terceiro Reich já eram do co­nhecimento geral; portanto, parecia des­necessário e até mesmo hipócrita passar pelo palavrório forense para estabelecer sua culpa. Seria mais fácil fuzilá-los as­sim que fossem presos, ou, no máximo, julgá-los sumariamente no local. Signifi­cativamente, onde os brados por uma jus­tiça improvisada se faziam ouvir com mais insistência era na Alemanha. As ati­tudes oficiais também diferiam. Uma vez abandonado o Plano Morgenthau, o governo americano passou a favorecer firmemente um julgamento justo perante um tribunal internacional, como o único meio de assegurar os efeitos morais que todos desejavam. Por outro lado, os esta­distas britânicos a princípio fizeram vigo­rosas objeções. Tanto Churchill como seu Ministro do Exterior, Anthony Eden, da­vam mais atenção à necessidade de ra­pidez. A bem da ordem na Europa, era conveniente que o organismo político ale­mão fosse liberado o mais breve possível dos seus elementos mais sórdidos; mas um julgamento onde as implicados tives­sem todas as oportunidades de se preparar e apresentar seu caso seria um tra­balho prolongado. Além disso, por mais meticuloso que fosse um julgamento assim conduzido, eles previam que, em última análise, não poderia fugir à des­confiança que o homem comum tem, compreensivelmente, quanto a qualquer ação judicial com tonalidades políticas. A execução, sem pronunciamento de um ribunal, de pequeno número dos nazistas de cúpula - foram indicados Hitler, Goring, Himmler, Goebbels, Ribbentrop e Streicher - seria o modo mais sensato de se lidar com o problema dos princi­pais criminosos de guerra. Os russos não faziam objeções a um julgamento, mas logo tornou-se evidente que eles tinham idéias próprias sobre a forma que o tra­balho dos juízes deveria tomar.

Em maio de 1945, a questão principal foi debatida em reuniões especiais entre os ministros do exterior dos Quatro Gran­des, durante a conferência de criação da Organização das Nações Unidas, em São Francisco. Pouco antes, Hitler se suici­dara em seu abrigo em Berlim e, se co­nhecido, este fato teria oferecido um ar­gumento de peso em favor da atitude britânica. Mas os negociadores não sa­biam que Hitler estava morto. Mais pre­cisamente, apenas os russos sabiam, mas nada contaram. Dessa forma, a opinião norte-americana prevaleceu e se decidiu realizar um julgamento formal perante um tribunal militar internacional. Na verdade, ele agora seria apenas um julgamento dos principais criminosos de guer­ra - sem o principal criminoso de guerra; uma falha para a qual não havia remédio. Contudo, aceitando todas as conseqüências, estabelecera-se que cada um dos quatro governos indicaria um representante e que esses se reuniriam o mais breve possível, em Londres, para elaborar os detalhes. A Conferência de Londres iniciou-se formalmente a 26 de junho. O representante nomeado pelo Presidente Truman (Roosevelt falecera a 12 de abril de 1945) era Robert H. Jackson, Juiz Adjunto do Supremo Tribunal, cuja ener­gia dominou toda a conferência. Jackson era um idealista, com crença firme na justiça natural e na eficácia do processo judicial. Jamais transigiu em questões de princípio e tinha dificuldades em ceder até mesmo em questões relativamente corriqueiras. Seu zelo moral e seu espírito combativo lhe foram proveitosos em Londres, onde teve de superar conside­rável resistência sobre várias questões.

Antes de partir para Londres, Jackson definira seus objetivos no relatório mi­nucioso dirigido ao Presidente, onde en­contramos o seguinte trecho:

"Nosso processo contra os principais acusados refere-se ao plano diretor na­zista, não às barbaridades e perversões individuais que ocorreram independente­mente de qualquer plano central. A base do nosso processo deve ser realmente autêntica e constituir uma história bem documentada do que estamos convenci­dos ter sido um plano amplo e concer­tado para incitar e cometer as agressões e barbaridades que chocaram o mundo. Não nos devemos esquecer de que, quan­do os planos nazistas foram proclamados de maneira tão audaciosa, eram de tal modo extravagantes, que o mundo se recusou a levá-los a sério. A menos que escrevamos a história desse movimento com clareza e precisão, não poderemos culpar o futuro se, nos dias de paz, ele considerar incríveis as generalidades acusatórias pronunciadas durante a guer­ra Devemos confirmar acontecimentos incríveis por meio de provas críveis."

O raciocínio em que se baseiam essas palavras é impecável, mas devemos com­preender claramente o que elas subenten­dem. Primeiro, podia-se muito bem con­fiar em que os juizes avaliariam, com imparcialidade profissional, a evidência de "barbaridades individuais", tarefa para a qual estavam preparados pela sua edu­cação e experiência; mas a redação da histeria de toda a conspiração, "do plano grande e concertado" - na verdade a revisão de grande parte da história euro­péia: durante duas décadas - estaria muito além das funções normais de um tribunal. Segundo, já observamos que o conceito de conspiração criminosa é pe­culiar ao direito consuetudinário anglo­saxônico; seria correto aplicá-lo num jul­gamento de alemães por crimes cometidos na Europa Continental? Além disso, há certa imprecisão inerente ao conceito. Se interpretado de maneira ampla, quase toda personalidade pública do Terceiro Reich poderia ser considerada participan­te. Seria difícil traçar uma linha sem ser arbitrário. Além disso, não é verdade que os estadistas soviéticos haviam ajudado e secundado o plano diretor nazista, assinando o pacto de não agressão e parti­lha da Polônia em 1939? Não se poderia dizer que os pacificadores franceses e britânicos, ou pelo menos alguns deles, "conspiraram" com os nazistas?

Para Jackson, foi muito fácil conquis­tar o apoio do representante britânico. Naquele momento, era Sir David Max­well-Fyfe, mais tarde Conde de Kilmuir. Quando o governo Churchill caiu, em fins de julho, Maxwell-Fyfe foi substi­tuído por Sir William Jowitt. Fyfe era de espírito bastante convencional, embo­ra um advogado militante muito hábil nos tribunais e político experiente, cujas preocupações principais eram a preserva­ção da unidade aliada e que o início dos processos não deveria ser atrasado inde­vidamente. Ele não era inclinado ao dog­matismo jurídico nem às considerações, a longo prazo, de posição política que atrapalhassem esses objetivos. Contudo, assim que o Vice-Presidente do Supremo Tribunal da União Soviética, General I. T. Nikitchenko, e o Professor Trai­nin se juntaram aos debates em Londres, a finalidade básica dos trabalhos voltou a ser motivo de discussão. Na opinião russa, um julgamento justo significava que a evidência seria apresentada correta e totalmente, não para estabelecer a culpa dos acusados, pois esta já estava confir­mada, mas para o julgamento da posteridade. Citamos abaixo um trecho das pro­posições de Nikitchenko, apresentadas a 29 de junho:

"Não estamos tratando aqui de um caso de crime comum, de roubo, de furto ou crimes menores. Iremos julgar os prin­cipais criminosos de guerra, que já foram condenados e cuja condenação já foi anunciada, nas declarações de Moscou e da Criméia, pelos chefes dos governos... Com relação à posição do juiz, a dele­gação soviética acha irrelevante, consi­derando-se a natureza do caso, o prin­cípio de que ele deva ser parte comple­tamente desinteressada, sem nenhum co­nhecimento prévio do caso... As alega­ções da acusação são indubitavelmente do conhecimento do juiz antes do início do julgamento; portanto, não há por que criar uma espécie de ficção... Se o procedimento a ser adotado impõe que o jul­gador deva ser absolutamente imparcial, isto só levará a atrasos desnecessários... O que se pretende é assegurar um castigo justo e rápido pelo crime cometido."

Nikitchenko dificilmente esperava que tal proposta fosse aceita pelos delegados dos países ocidentais, e, tendo expressado o ponto de vista soviético apenas para vê-lo registrado, não insistiu mais. Porém - embora afirmasse categoricamente que, se se queria fazer um julgamento, este teria de ser genuíno - Jackson con­cordava com o fato de que, quanto às condenações, senão às sentenças, o resul­tado teria que ser o que todos esperavam. "Na declaração do Sr. Nikitchenko há muito de verdade. Neste caso só pode haver uma decisão - a qual somos obri­gados a admitir. Mas o que deve prevale­cer é a evidência, não as declarações fei­tas por chefes de estado com relação a esses casos."

Dever-se-ia incluir "crimes contra a paz" nas acusações? Esta questão inco­modou muito mais. Os delegados fran­ceses, Juiz Robert Falco e o Professor André Gros, achavam que não. Mesmo que as guerras de agressão fossem ilegais - os peritos em direito internacional não concordavam com isso - o erro foi cometido por um estado; ainda não havia nenhuma regra jurídica reconhe­cida que tornasse alguém pessoalmen­te responsável, por mais lamentável que esta posição legal pudesse ser. Na opinião dos franceses, as cláusulas indisputáveis do direito internacional bastariam, con­tudo, para se alcançar os objetivos essen­ciais do julgamento.

"Creio", disse o Professor Gros, "que nossas diferenças são mais ou menos as seguintes: os americanos querem ganhar o julgamento alegando que a guerra na­zista era ilegal; o povo francês e o dos vários países ocupados querem apenas mostrar que os nazistas eram bandidos. Esta demonstração não é difícil. Há mui­tos anos vem grassando o banditismo organizado na Europa, e, como resultado disso, muitos crimes foram cometidos. Queremos mostrar que esses crimes se deram segundo um plano comum".

Os russos não estavam preocupados com tais considerações legais. Estavam tão ansiosos quanto os americanos por verem os líderes nazistas castigados pelo crime de iniciarem guerras de agressão. Mas estipularam uma condição: qual­quer definição do crime deve ser explici­tamente restrita aos atos agressivos come­tidos pelos nazistas e seus aliados. Não é de surpreender que os russos conside­rassem vital este ponto, considerando a própria história de agressões desse povo, contra a Finlândia e a Polônia.

Para Jackson, os crimes contra a paz haviam-se tornado a questão crucial do julgamento. Ele compreendia os escrú­pulos legais dos franceses, mas o próprio fato de que o direito internacional não era claro a este respeito tornava, na sua opinião, ainda mais conveniente que um tribunal internacional pudesse decidir com firmeza segundo os conceitos mo­dernos de justiça. Observou que os Es­tados Unidos haviam ajudado as nações atacadas, antes de entrarem na guerra, o que leva à convicção de que, para os EUA, as guerras de Hitler haviam sido ilegais desde o início. Quanto à defini­ção restritiva exigida pelos russos, estas eram totalmente inadmissíveis:

"Achamos que a restrição não procede, porque faz uma declaração muito uni­lateral de direito. Se certos atos que vio­lam tratados são crimes, terão que ser entendidos como crimes, quer sejam co­metidos pelos Estados Unidos, quer pela Alemanha. Não estamos na disposição de considerar criminosas certas regras de conduta, por parte de outros países, se estas mesmas regras são também seguidas por nós."

Maxwell-Fyfe, embora ciente das difi­culdades que deveriam surgir no julga­mento, devido à falta de uma definição legal clara de "crimes contra a paz", ficou do lado de Jackson. Dificilmente poderia agir de outro modo, já que acei­tara os princípios americanos antes do início formal das negociações de Londres. Entretanto, ainda insistia em que o jul­gamento não deveria demorar mais de três semanas - uma impossibilidade óbvia, se as questões a serem julgadas fossem tão amplamente examinadas e debatidas como Jackson queria.

Também houve vários pontos menos importantes em debate. Um deles refe­ria-se à proposta de se julgar certas orga­nizações nazistas; naturalmente, o tribu­nal não pronunciaria qualquer sentença de castigo nesse caso, mas simplesmente as declararia organizações criminosas. Os russos, de acordo com sua teoria geral sobre o julgamento, fizeram objeções aos trabalhos contra as organizações, alegan­do que os governos aliados já as haviam declarado como tais.

Durante muito tempo se mantiveram teimosamente as atitudes antagônicas, e na última semana de julho não parecia haver nenhum acordo em vista. Foi então que Jackson pronunciou o equivalente a um ultimato: disse não ter autoridade para abandonar a posição americana e mesmo que isto estivesse a seu critério, não estaria disposto a fazê-lo. Prefe­ria abandonar, de todo, o plano de um julgamento internacional, caso em que os americanos julgariam todos os principais criminosos de guerra que viessem a cair em suas mãos. Estivesse ele falando sério ou blefando, a verdade é que a ameaça foi eficaz - sobretudo porque a maioria dos principais nazistas estava sob custó­dia americana ou britânica. Assim, no começo de agosto, todas as questões im­portantes existentes entre os delegados foram solucionadas segundo as propostas americanas. A 8 de agosto os delegados assinaram o "Acordo de Londres", que os outros governos das Nações Unidas foram convidados a apoiar (o que fize­ram subseqüentemente). A jurisdição, constituição e as funções do Tribunal Militar Internacional a ser criado foram definidas na carta anexada ao acordo. Esta carta contém trinta artigos e so­mente os mais importantes serão resu­midos aqui.

O Artigo 2º estipulava que deveria haver quatro juízes, a serem indicados por cada um dos quatro partícipes do acoordo. Para cada um desses juízes titu­lares seria nomeado um juiz substituto, da mesma forma. Não se adotou uma sugestão anterior, de que os substitutos deveriam ser escolhidos entre outras na­cionalidades; se aceita, poderia ter sido de grande utilidade, salientando o caráter internacional do tribunal, mas não há razão para se crer que viesse a alterar os rumos do julgamento.

O Artigo 3º estabelecia a regra vital de que a competência, jurisdição e com­posição do tribunal não podiam ser contestadas pela acusação ou pela defesa.

Segundo o Artigo 6º, as categorias de crimes a serem julgados seriam as se­guintes:

Crimes contra a paz: o preparo, ini­ciação e empreendimento de guerras de agressão, em violação de tratados ou garantias internacionais, e a participa­ção num plano comum, ou conspiração, para essa finalidade. A Carta não definia com precisão o termo "guerra de agres­ssão".

Crimes de guerra: violações de leis, isto é, convenções internacionais e cos­tumes de guerra, incluindo maltratos e deportações de populações civis, assassi­nato ou tratamento desumano de prisio­neiros de guerra ou pessoas no mar, e o assassinato de reféns, saque e destruição desenfreada.

Crimes contra a humanidade: assassi­nato, extermínio, escravização, deporta­ções e outros atos desumanos cometidos por motivos políticos, raciais ou religio­sos. Ao contrário dos crimes de guerra, tais atos não precisariam ter sido come­tidos em território inimigo ocupado ou contra naturais do país inimigo. Todavia, eles devem estar "dentro da jurisdição do Tribunal", o que mais tarde foi interpretado como significando que a perse­guição de oponentes políticos e judeus, realizada pelos nazistas na Alemanha antes da guerra, estava excluída.

O Artigo 8º tratava da defesa por ale­gação de "ordens superiores": um acusa­do não estava isento de responsabilidade por um crime, mesmo que pudesse provar ter agido por ordens de um superior, embora o fato pudesse ser considerado atenuante.

O Artigo 9º adotava a proposta de que o tribunal devia ter poderes de declarar que certos grupos ou certas organizações tinham caráter criminoso.

As regras estipuladas para a realiza­ção do julgamento obedeciam ao siste­ma anglo-saxão de procedimento penal. Embora isto colocasse os advogados de defesa em desvantagem, porquanto te­riam de se adaptar a um procedimento para o qual não dispunham de qualquer experiência, compreendeu-se claramente que, comparativamente, este procedimen­to era uma salvaguarda para uma reali­zação justa do julgamento. As regras da evidência tinham de ser menos for­mais do que nos casos comuns, mas os direitos básicos dos acusados eram expli­citamente garantidos pelo Artigo 16 da Carta.

Nos termos dos Artigos 26 e 27, o tribunal era obrigado a dar suas razões para condenar um acusado, mas não para o grau do castigo, ou seja, a pena. Ele recebeu o direito de pronunciar sentenças de morte.


Acumulando provas

Finalmente, chegou-se a uma base estatutária para o julgamento dos prin­cipais criminosos de guerra. Tal base professava ser apenas uma aplicação con­creta das regras existentes do direito in­ternacional, mas por certo esta afirma­ção não era indisputável. Também é verdade que algumas das cláusulas eram menos precisas do que se poderia dese­jar. Tentamos mostrar que em grande parte este problema era inevitável e que os que haviam redigido a Carta estavam perfeitamente cônscios dos seus pontos controvertidos. Restava saber se as fra­quezas reconhecidas da Carta se revela­riam apenas defeitos de natureza mais ou menos técnica, ou se se tornariam obs­táculos incontornáveis no caminho da jus­tiça. Teria o tribunal a integridade e a capacidade de manter os elementos po­líticos do julgamento dentro dos seus limites e de esclarecer os pontos jurídi­cos duvidosos? Somente o decorrer do julgamento poderia responder. E seria possível reduzir o conhecimento geral dos crimes cometidos a provas concretas, mostrando o envolvimento do acusado "sem sombra de dúvida"? Mesmo antes de iniciados os trabalhos, estava claro que, sob este aspecto, a acusação seria realmente capaz de apresentar alegações muito convincentes.

A busca de provas documentais trouxe resultados muito além das expectativas mais otimistas. Seria de esperar que, pelo menos no tocante às atrocidades mais grosseiras, poucos seriam os registros mantidos. Mas não; os agentes do crime orgulhavam-se da eficiência com que rea­lizavam o crime, e o registravam porme­norizadamente e de modo quase pedante. Na confusão do colapso do Terceiro Reich, nenhuma ordem foi dada no sen­tido da destruição dos arquivos. Grande número de pessoas envolvidas havia pe­recido nos acidentes de guerra, mas mi­lhares de documentos foram recuperados nos escritórios locais do partido ou do governo, ou em esconderijos para onde haviam sido removidos apressadamente. Assim, os arquivos de Alfred Rosenberg, o "filósofo" nazista e ex-Ministro do Reich para os Territórios Orientais Ocupados, foram encontrados ocultos em uma parede falsa num castelo abandona­do. Em outro castelo abandonado, uma equipe de buscas encontrou os arquivos quase completos do Ministério do Exte­rior Alemão, perto de cinco toneladas de papéis. O ex-Governador-Geral nazista da Polônia, que angariara o apelido de Pol­senschlächter (Carniceiro dos Poloneses), entregou seu substancioso diário, intato, quando da sua prisão. Uma descoberta particularmente valiosa foi a dos arqui­vos pessoais do Chefe das SS, Heinrich Himmler; muitos outros foram encontra­dos. Toda esta evidência escrita foi reu­nida em centros de documentação espe­cialmente criados, onde os itens foram separados, selecionados, registrados, tra­duzidos e reproduzidos antes de serem submetidos às equipes de acusação para avaliação e seleção finais. Portanto, a acusação estava em posição de construir seu libelo basicamente sobre provas ofe­recidas pelos arquivos alemães, mas as equipes de investigação também conse­guiram reunir grande número de testemu­nhas importantes. Era natural que os so­breviventes do terror nazista e os adver­sários secretos do regime de Hitler esti­vessem dispostos a prestar testemunho. Mas o surpreendente foi que muitos dos nazistas do alto escalão, eles próprios enfrentando a possibilidade de serem leva­dos a julgamento, nos processos projeta­dos contra criminosos de guerra "meno­res", estivessem dispostos a contar tudo nos interrogatórios preliminares. Trinta e três testemunhas importantes foram cha­madas a depor pela acusação, no julga­mento dos principais criminosos de guer­ra. A coleta das provas foi um impressio­nante feito de organização, e a força mo­triz desse grande esforço foi o Juiz Jackson, com seu zelo inquebrantável.

Jackson também encontrou o local certo para o Julgamento, o que não fora muito fácil, dadas as condições caóticas predominantes na Alemanha, na época. Era o Palácio da Justiça em Nuremberg, um edifício imenso que oferecia espaço suficiente para acomodar não so o pró­prio tribunal, mas também os incontáveis escritórios necessários ao julgamento. Os russos teriam preferido Berlim, conjunta­mente ocupada pelos Quatro Grandes, a um lugar na zona americana de ocupa­ção, mas não restava um só prédio ade­quando, nos montes de escombros da an­tiga capital alemã. Talvez a decisão de Jackson e seus colegas também fosse in­fluenciada por certas razões sentimentais. Nuremberg é uma cidade histórica; suas antigas belezas haviam sido carinhosa­mente conservadas por muitos séculos. Na Idade Média, fora um dos grandes centros europeus de comércio e cultura artesanal; fora o berço do maior artista da Alemanha, Albrecht Dürer, e de mui­tos outros artistas e artesãos famosos. Os amantes da música a conhecem como o cenário da ópera "Os Mestres Cantores", de Wagner. E os nazistas haviam perver­tido a grande tradição da cidade, como haviam feito com tantas tradições alemães. Nuremberg tornara-se a "Cidade do Mo­vimento", onde o Partido realizava suas reuniões anuais. Dali, Hitler promul­gara suas infames leis raciais as Leis de Nuremberg - em 1935. Ali, o espírito que levou à guerra total e ao genocídio ficou demonstrado da maneira mais fla­grante. Ali também a destruição chegou. A cidade fora grandemente danificada pelos bombardeios aliados maciços. Pode-­se , dizer que Nuremberg simbolizava ao mesmo tempo o melhor e o pior do ca­ráter nacional alemão, e também isto fa­zia dela uma escolha adequada.

O Palácio da Justiça também sofrera seriamente com os bombardeios e teve de ser reparado e redecorado às pressas. Preparou-se um amplo tribunal demo­lindo-se uma parede que dividia dois tribunais contíguos de tamanho normal. O banco do juiz estava na extremidade oeste. O banco dos réus ficava ao longo da parede oposta, atrás das mesas dos advogados de defesa. Instalou-se um ele­vador para ligar os bancos dos réus à prisão. Na parte norte da sala havia qua­tro grandes mesas para as equipes da acusação, diante de uma galeria espe­cialmente montada para a imprensa, e, acima desta, uma galeria para visitantes. Tratava-se de um julgamento para o qual se desejava a maior publicidade possível.

O problema de interpretação foi solu­cionado, depois de muita discussão, com a adoção do sistema de tradução si­multânea, por sugestão do Juiz Jackson.

O sistema, na época bastante novo e não experimentado, é agora usado com freqüência e não precisa ser descrito em detalhes. Ele requer habilidade e concen­tração excepcionais por parte do intér­prete e, no todo, é mais adequado para a interpretação de discursos previamente preparados do que para uma rápida su­cessão de perguntas e respostas. Nos pri­meiros momentos do julgamento houve muitas queixas, mas logo que as pessoas se acostumaram a manipular seus audio­fones, e que os intérpretes adquiriram ex­periência, o sistema passou a funcionar relativamente bem. De qualquer modo, era preferível ao método tradicional, que teria sido intoleravelmente lento num tra­balho onde todas as provas e todos os argumentos tinham de ser traduzidos em três das quatro línguas oficiais: alemão, inglês, francês e russo.

A denúncia, preparada de acordo com o Artigo 6º da Carta do Tribunal, era dividida em quatro pontos de acusação; os dois primeiros cobriam os "crimes contra a paz": 1º - conspiração para cometer guerra de agressão; 2º - o pró­prio crime da guerra de agressão; 3º - crimes de guerra; e 4º - "crimes contra a humanidade". Já explicamos a dis­tinção entre essas duas categorias. O cri­me de conspiração para cometer crimes de guerra, e crimes contra a humanidade também foram incluídos na 1ª Cláusula, mas, no seu julgamento, o tribunal de­clarou que essa acusação não era san­cionada pela Carta. Em conseqüência, grande parte das provas apresentadas pela acusação revelou-se legalmente imperti­nente.
Dos pontos específicos a serem in­cluídos nas acusações, apenas um pro­vocou forte discordância entre as equipes da acusação. No último instante, os rus­sos insistiram em incluir o fato de os nazistas haverem assassinado milhares de oficiais poloneses, prisioneiros de guerra, cujos corpos foram encontrados na Flo­resta de Katyn. Os norte-americanos obje­taram vigorosamente, pois estavam impressionados pela afirmação polonesa de que esse massacre específico na verdade fora perpetrado por forças soviéticas.

Desta feita os russos conseguiram seu in­tento e, no devido tempo, apresentaram a questão ao tribunal, causando muito cons­trangimento, sobretudo para eles pró­prios. O tribunal apreciou a acusação em silêncio e a prova apresentada no julga­mento por certo não era conclusiva em qualquer sentido. A verdade histórica do massacre de Katyn nunca foi plenamente apurada.

A denúncia, um documento de 66 pa­ginas impressas, foi finalmente assinada em Berlim, a 6 de outubro de 1945, e in­dicava os seguintes acusados:

1. Hermann Göring, até abril de 1945 o sucessor eventual de Hitler. Comandan­te-Chefe da Luftwaffe e Plenipotenciário para o Plano Quadrienal, o organismo controlador da economia de guerra alemã.

Durante a luta do movimento nazista para a tomada do poder, ele comandou as SA e, tomado o poder, foi encarregado da Gestapo e do sistema de campos de concentração até que Heinrich Himmler assumiu essa função, em 1934. Depois de Hitler, ele em geral era considerado o mais importante líder nazista, embora, na verdade, sua influência declinasse grada­tivamente a partir de 1941.

2. Rudolf Hess, ex-Ministro sem Pas­ta do Reich, Representante do Führer e seu sucessor eventual, depois de Göring. Compartilhara da prisão de Hitler na for­taleza de Landsberg, em 1924, e o aju­dara na redação do livro Mein Kampf continuou sendo o mais íntimo confidente de Hitler até 10 de maio de 1941, quando partiu no seu famoso vôo solitário ate a Escócia, aparentemente numa missão de paz que se impusera - ação cuja origem e motivo precisos ainda estão envoltos em mistério.

3. Joachim von Ribbentrop, que, en­tre 1933 e 1945, fora sucessivamente Conselheiro de Hitler para a Política Ex­terna, Plenipotenciário, Embaixador no Reino Unido e, a partir de fevereiro de 1938, Ministro das Relações Exteriores do Reich.

4. Robert Ley, ex-Líder da Frente Trabalhista Alemã, Diretor da Organiza­ção do Partido Nazista e Co-Organizador da Inspeção Central para o Cuidado dos Trabalhadores Estrangeiros.

5. Feldmarechal Wilhelm Keitel, que fora nomeado Chefe do Estado-Maior do Alto Comando das Forças Armadas (OKW) quando Hitler assumiu o coman­do supremo da Wehrmacht, em fevereiro de 1938.

6. Ernst Kaltenbrunner, o sucessor de Reinhard Heydrich (assassinado por pa­triotas tchecos em junho de 1942) como Chefe das organizações de segurança in­ternas e externas de Himmler, isto é, o Departamento Nacional de Segurança (RSHA), a Polícia de Segurança (Sipo) e o Serviço de Segurança (SD), dentro das SS. Estes eram os principais organis­mos ligados à execução dos "crimes con­tra a humanidade".

7. Alfred Rosenberg, o principal ex­poente da "filosofia" nazista e que tam­bém exercera importantes funções políti­cas e administrativas como Diretor do Departamento de Assuntos Exteriores do NSDAP e, de julho de 1941 até o fim da guerra, como Ministro do Reich para os Territórios Orientais Ocupados. O Einsa­tzstab Rosenberg fora uma força-tarefa especial para o saque de tesouros artís­ticos e certos tipos de propriedade nos Territórios Ocupados, tanto do Leste como do Oeste.

8. Hans Frank, ocupou altos cargos nos departamentos governamentais e do partido como assessor jurídico de Hitler; nomeado Governador-Geral dos territó­rios poloneses anexados em outubro de 1939.

9. Wilhelm Frick, Ministro do Interior do Reich de começos de 1933 a agosto de 1943, posteriormente Protetor da Boê­mia - Morávia. Como principal perito nazista em administração, foi também Plenipotenciário-Geral da Administração do Reich, em cujo cargo tratara, em par­ticular, dos detalhes técnicos da incorpo­ração ao Reich dos territórios conquis­tados.

10. Julius Streicher, conhecido como "Perseguidor Número Um dos Judeus". Nunca ocupou cargo no governo e fora demitido da Liderança Partidária, como Gauleiter da Francônia em 1940, por má conduta, mas até certo ponto conservou a estima pessoal de Hitler. Continuou como editor do notório jornal Der Stür­mer, que publicava propaganda anti-se­mita do tipo mais grosseiro, e com gran­de dose de pornografia vulgar.

11. Wilhelm Funk: substituiu a Hjal­mar Schacht como Ministro da Economia e Plenipotenciário para a Economia de Guerra, no começo de 1938 e, um ano depois, como Presidente do Reichsbank.

12. Hjalmar Schacht, um dos mais eminentes peritos em finanças da Alema­nha, que fora Presidente (com uma in­terrupção de 1930 até 1933), do Banco Nacional (Reichsbank) de 1923 a 1938. Depois da sua demissão dos cargos de Ministro da Economia e de Plenipoten­ciário para a Economia de Guerra, tor­nou-se Ministro sem Pasta, mas não par­ticipou da vida pública depois de janeiro de 1939.

13. Gustav Krupp von Bohlen und Halbach, diretor da famosa firma dos Krupp, que produziu o grosso das armas de guerra alemãs para três grandes guer­ras. Também foi Presidente da União da Indústria Alemã do Reich.

14. Grande-Almirante Karl Dönitz, comandante da arma de submarinos des­de 1936 e Comandante-Chefe da Mari­nha a partir de 1934. No seu "testamento político", escrito antes de suicidar-se, Hi­tler nomeou Dönitz seu sucessor como Chefe do Estado.

15. Grande-Almirante Erich Raeder, Comandante-Chefe da Marinha durante os últimos cinco anos da "República de Weimar" e conservou esse comando no governo de Hitler até janeiro de 1943.

16. Baldur von Schirach, ex-Líder da Juventude do Reich, incluindo a Hitler­jugend, e, como tal, membro do governo do Reich de 1936 a 1940, quando foi nomeado Gauleiter de Viena; contudo, permaneceu no controle geral da educa­ção juvenil.

17. Fritz Sauckel, Gauleiter da Turín­gia desde 1927 e chefe do governo tu­ríngio de 1933 a 1942. Em março de 1942, Hitler o nomeou Plenipotenciário Geral para a Utilização do Potencial Hu­mano. A utilização de trabalhadores re­crutados à força no exterior e de pri­sioneiros de guerra esteve dentro de suas funções.

18. General Alfred Jodl, ex-Chefe de Operações do Estado-Maior no Alto Co­mando das Forças Armadas (Wehrma­cht) que gozava do direito de acesso di­reto a Hitler em todas as questões de operação.

19. Martin Bormann, Diretor da Chancelaria do Partido, Secretário do Führer durante os últimos anos do Ter­ceiro Reich e a "Eminência Parda" de Hitler. Não havia sido preso, mas acre­ditava-se que ainda estivesse vivo, e o tribunal decidiu julgá-lo in absentia.

20. Franz von Papen, político profis­sional e Chanceler do Reich por seis me­ses durante o último ano da "República de Weimar". Foi Vice-Chanceler no pri­meiro Gabinete de Hitler, até 30 de ju­nho de 1934, data do chamado "expurgo de Röhm". Posteriormente, foi Embaixa­dor na Austria, de 26 de julho de 1933 a 4 de fevereiro de 1938, e Embaixador na Turquia, de abril de 1939 a agosto de 1944.

21. Arthur Seyss-Inquart, Ministro da Segurança e do Interior da Áustria duran­te o último mês da independência aus­tríaca, e Governador do Reich na Áus­tria, depois do Anschluss (anexação) até o outono de 1939, quando se tornou Vice-Governador-Geral da parte anexa­da da Polônia, sob Frank. Em maio de 1940, foi nomeado Comissário do Reich para os Países Baixos ocupados.

22. Albert Speer, arquiteto de Hi­tler e, desde fevereiro de 1942, Ministro dos Armamentos e Munições do Reich (mais tarde recebeu o novo título de Mi­nistro de Armamentos e Produção de Guerra do Reich).

23. Constantin von Neurath, diploma­ta de carreira que serviu como Ministro das Relações Exteriores nos gabinetes de von Papen e de Hitler até ser substituído por Ribbentrop. Em março de 1939, foi nomeado Protetor do Reich na Boêmia-­Morávia, mas retirou-se da vida pública em setembro de 1941.

24. Hans Fritzsche, principal comen­tarista político de rádio do regime nazis­ta, chefe da Divisão da Imprensa Interna do Ministério da Propaganda de Goeb­bels de dezembro de 1938 a novembro de 1942, posteriormente chefe da Divi­são Radiofônica do mesmo ministério.

Além desses indivíduos, sete "grupos ou organizações" foram incluídos como réus nas condições já explicadas: o Ga­binete do Reich; o Corpo de Liderança do Partido Nazista; as SS; o SD; a Ges­tapo; as SA; o Estado-Maior-Geral e o Alto-Comando das Forças Armadas.

Diante desta lista, ficamos impressio­nados com a estranha mistura que esses homens formavam. Fica-se cogitando so­bre o critério usado para escolhê-los. Não havia centenas de outros que, com igual ou melhor justificativa, poderiam ser clas­sificados como principais criminosos de guerra? Alguns dos acusados, Göring e Kaltenbrunner, por exemplo, eram esco­lhas realmente óbvias, mas dificilmente se pode dizer o mesmo de homens como Schacht, Funk, von Schirach ou Fritzs­che. A escolha foi, então, tão arbitrária como poderia parecer à primeira vista? A pergunta é fundamental, se quisermos avaliar a importância do julgamento, e devemos tentar uma explicação.

Em primeiro lugar, devemos lembrar­nos de que, no contexto dos julgamentos de crimes de guerra, a palavra "princi­pais" refere-se à posição central que um réu ocupava dentro do regime nazista, que era essencialmente criminoso; ela se refere ao grau mais elevado da sua res­ponsabilidade, e não ao grau de deprava­ção das suas ações. A acusação estava no convencimento pleno de que os as­sassinos e torturadores das massas, que seriam julgados posteriormente em outros tribunais, eram, na acepção comum do termo, piores criminosos do que Speer e Dönitz, por exemplo.

Outra consideração estava ligada a esta. Jackson e seus colegas pretendiam sa­lientar sobretudo o plano coletivo, em oposição a crimes individuais; assim, es­tavam compreensivelmente ansiosos por fazer com que cada aspecto importante do regime nazista fosse representado pelo menos por uma das personagens levadas ao banco dos réus, especialmente porque Hitler já não estava presente para respon­der pela totalidade dos crimes cometidos sob seu domínio. E dois dos seus três principais lugares-tenentes também se ha­viam suicidado: Himmler, o Reichs­führer-SS, e Goebbels, Ministro da Pro­paganda nazista e controlador da vida cultural da nação. Como representante do terror das SS, Kaltenbrunner, por cer­to, não passava de uma segunda escolha, à falta de "melhor", mas em seu caso pelo menos se pode dizer que, segundo quaisquer padrões, ele era um grande criminoso de guerra e provavelmente te­ria sido denunciado, mesmo que Himmler ainda estivesse vivo para ser trazido ao tribunal. Mas julgar Fritzsche como subs­tituto de Goebbels era um pouco absur­do, como o Tribunal mais tarde reconhe­ceu tacitamente ao absolvê-lo. A inclu­são de Fritzsche se deveu em parte à insistência dos russos, já que ele era um dos poucos nazistas notórios capturados pelas forças soviéticas. Até que ponto a promotoria foi na aplicação deste prin­cípio da representação ficou claramente demonstrado no caso de Krupp. Quando, no começo do julgamento, se verificou que o velho Gustav Krupp estava doente demais para comparecer e o Tribunal re­cusou-se a julgá-lo na sua ausência, a acusação solicitou aos juizes, espantados, permissão para denunciar seu filho, Al­fred, em seu lugar. E não apenas isto: também queria que o tribunal abrisse mão, neste caso, da sua regra, de que cada acusado devia receber uma cópia da acusação no mínimo trinta dias antes do julgamento. O tribunal respondeu com ­uma enérgica e sumária rejeição, sem se preocupar em dar as razões. Os promo­tores britânicos não haviam assinado a moção. Alfred Krupp foi indiciado e condenado, num julgamento subseqüente.

Embora talvez não seja muito impor­tante em si, este incidente marcou um momento decisivo na história dos traba­lhos em Nuremberg. Desde a "Conferência de Londres", onde os homens da lei haviam substituído os políticos, predomi­nou o "espírito de cruzado" de Robert H. Jackson. A redação da Carta e da acusação, o preparo das provas e a esco­lha dos acusados tinham sido essencial­mente obra sua e refletiam suas idéias. Havia muitos que supunham que, como chefe da equipe americana de acusação, ele seria capaz de permanecer como en­carregado e que o próprio julgamento se­ria o "julgamento de Jackson." Não há dúvida de que ele próprio pensava assim, e isso poderia realmente ter acontecido se a acusação tivesse tido permissão de advogar sua causa perante juízes passivos e complacentes. Mas este não era o caso. O juiz presidente, Lorde-Juiz Lawrence, era bastante conhecido, entre os juristas ingleses, como um "Magistrado forte", um homem de autoridade calma, porém muito firme; qualidade esta que já de­monstrara em sua juventude, quando ser­viu, com distinção, como oficial na Pri­meira Guerra Mundial. Dele, nem mesmo o promotor mais convincente poderia arrancar o controle dos trabalhos. E, neste aspecto, podia contar com o apoio dos outros juizes, colegas seus, sem excluir - deve-se salientar - o dos juízes rus­sos. Conscientes da importância histórica do julgamento, estavam decididos a não permitir ênfase indevida em detrimento do procedimento correto no tribunal, como os advogados de ambos os lados por certo tentariam fazer. A rejeição rís­pida da moção da promotoria, quanto aos Krupps, foi a primeira indicação cla­ra da sua atitude.

Em começos de outubro, já todos os acusados haviam sido levados para a pri­são reconstruída do Palácio da Justiça de Nuremberg, onde cada um recebeu sua cela separada e mobiliada de modo muito simples. Um pátio da prisão dava-lhes oportunidade para fazer um mínimo de exercício. Somente depois do início do julgamento é que os prisioneiros puderam conversar: quando estavam reunidos no banco dos réus, ou mais livremente, du­rante as refeições que faziam juntos, en­tre as sessões. No Palace Hotel em Mon­dorf, Luxemburgo, onde a maioria ficara detida anteriormente, haviam desfrutado de muito mais liberdade e conforto. O comandante da prisão de Nuremberg, o coronel americano C. B. Andrus, fazia questão de ordem e disciplina. Ele pro­videnciou para que os prisioneiros rece­bessem alimentação decente, que tivessem pronta atenção médica quando necessário e que suas roupas fossem meticulosamen­te tratadas, mas os considerava apenas prisioneiros comuns e recusou-se a fazer quaisquer concessões ao seu senso de importância. Os prisioneiros o detes­tavam.

A 24 de outubro, Robert Ley foi en­contrado morto em sua cela, enforcado no cano de descarga do vaso sanitário e, depois disso, as medidas de precaução fo­ram intensificadas. Os guardas do bloco de celas foram quadruplicados e recebe­ram ordens de manter os prisioneiros sob constante observação. Estes tinham de dormir em posição que permitisse que a luz da portinhola lhes iluminasse o rosto; se mudassem de posição durante o sono, os guardas tinham ordens de despertá-los. Havia razões para estas medidas, mas se o Coronel Andrus temia que o suicídio de Ley provocasse qualquer perturbação mental nos outros acusados - levando talvez a outros suicídios - estava enga­nado. A consternação foi apenas tempo­rária. Aliás, Göring achava bom que o desmiolado Ley tivesse morrido. Ele te­mia que o ex-Líder da Frente Trabalhis­ta Alemã representasse um papel desagra­dável no tribunal. "De qualquer modo, ele vinha morrendo de tanto beber."

A acusação, em sua forma definitiva, foi submetida ao tribunal a 18 de outu­bro e cópias desta foram distribuídas aos acusados, a quem foi consignado o prazo de um mês para estudá-la e preparar sua defesa. Cada acusado recebeu explicações completas dos seus direitos, nos termos da Carta; em particular, do seu direito de constituir um advogado alemão de sua escolha. O problema dos advogados de defesa causou algumas dores de ca­beça aos juízes. Os dois juízes russos eram de opinião que ex-membros do partido nazista não deveriam ser aceitos como defensores e, neste aspecto, esta­vam de acordo com grande setor da opi­nião pública, dentro e fora da Alemanha. Todavia, eles foram vencidos pela maio­ria dos juízes, que achavam que tal res­trição na escolha dos defensores não po­dia ser justificada e, em última análise, fatalmente criaria má impressão. Poste­riormente, alguns dos advogados de de­fesa sugeriram que deviam ter permissão de serem auxiliados por colegas america­nos ou britânicos, que poderiam ajudá-los nas dificuldades com o procedimento cor­reto de tribunal adequado para o direito consuetudinário anglo-saxão. Esta parece ter sido uma das raras ocasiões em que uma decisão, quanto a procedimento, foi influenciada por considerações políticas.

Os advogados de defesa estavam numa posição muito delicada. Somente poucos deles haviam sido membros do partido (o que não significa, necessariamente, que haviam sido nazistas convictos) e provavelmente eles mesmos ficaram sur­presos e profundamente chocados com o vulto e com os detalhes horripilantes dos crimes citados na acusação. É certo que qualquer advogado, quando uma verdadeira vocação, faz o máximo pelo cliente, mesmo que deteste a pessoa e tudo o que ela representa; mas não é fácil adquirir e manter a confiança do cliente em tal situação. Ademais, não se tratava de um julgamento comum. A despeito da freqüência e solenidade com que os juízes e a acusação declaravam que não era a nação alemã que estava em julgamento, o público não acreditava muito nisso. Os advogados de defesa, conforme foram informados com muita clareza pelos jornalistas que os assedia­vam para entrevistas, sabiam que, de modo geral, esperava-se que eles repre­sentassem não só seus clientes como tam­bém "o ponto de vista alemão". Isto era um equívoco, mas que não podia deixar de ter poderoso efeito psicológico. As circunstancias exigiam deles bom equilí­brio entre a advocacia firme e o tato po­lítico. Se errassem num dos sentidos, os acusados e seus amigos poderiam recrimi­ná-los por covardia moral; se no outro, haveria altos brados do público e da im­prensa contra sua "desfaçatez". Quando pediram a Göring que escolhesse seu advogado, sua primeira resposta foi sintomática: "Simplesmente não posso ima­ginar que um advogado alemão tenha a coragem de falar perante um tribunal aliado". Contudo, em conclusão, a maio­ria deles realmente falou, com o estímulo do tribunal, ainda que após um período inicial de sondagem cautelosa. Um dos seus opositores em Nuremberg, Lorde Kilmuir, diz o seguinte a respeito deles em suas memórias:

"Dois deles, que pareciam ser respec­tivamente o mais velho e o mais jovem, Dr. Rudolf Dix, que defendeu Schacht, e o Flottenrichter Otto Kranzbuhler, que defendeu Dönitz, eram os melhores que se poderia encontrar em qualquer tri­bunal, enquanto que os outros estavam à altura da elevada tradição da profissão, em circunstâncias que lhes devem ter sido extremamente difíceis."

Ley matou-se; Frank fez duas tentati­vas infrutíferas de matar-se; Göring foi durante muito tempo viciado em drogas e provavelmente é verdade quando se diz que a estabilidade mental da maioria dos acusados estava, até certo ponto, preju­dicada pela queda do poder, pelo isola­mento e humilhações da prisão e pelas perspectivas sombrias à sua frente. Mas somente quanto a dois homens é que sur­giu o problema de sanidade mental, no sentido legal e, portanto, quanto à pos­sibilidade de serem submetidos a julga­mento. Ambos foram examinados por uma comissão de psiquiatras. A inteligên­cia de Streicher, conforme os testes con­firmaram, estava muito aquém da média. Parecia presa de uma imaginação sexual doentia e seu ódio aos judeus era clara­mente obsessivo. Contudo, a comissão concluiu que, embora fosse altamente neurótico, não era insano e, em resumo, não há razões para se discutir essa avalia­ção. O caso de Hess é bem mais duvidoso. Ele afirmava estar sofrendo de perda de memória, do tipo conhecido como "amnésia progressiva", isto é, que em qualquer momento determinado ele só se podia lembrar do que acontecera até duas semanas atrás. Nessa conformidade, seu advogado requereu que se adiassem os trabalhos contra seu cliente. Os juízes en­frentaram uma questão difícil. A amnésia de Hess era verdadeira ou fingida? Eles não podiam confiar na comissão psiquiá­trica, pois o laudo dos especialistas que a compunham era discordante sobre cer­tos aspectos do caso. Mas no final da audiência que apreciou a moção, Hess fez a seguinte declaração:

"Para evitar a possibilidade de ser de­clarado incapaz de defender-me - a des­peito da minha boa vontade em participar dos trabalhos e ouvir o veredicto junta­mente com meus camaradas - gostaria de fazer a seguinte declaração perante o tribunal:

"Daqui em diante, minha memória tor­nará a reagir ao mundo exterior; minhas razões para simular a perda de memória eram de natureza tática. Somente minha capacidade de concentrar-me está, de fato, algo reduzida. Mas minha capaci­dade de acompanhar o julgamento, de defender-me, de interrogar testemunhas ou de responder eu mesmo a perguntas, não está por ela afetada.

"... também fingi perda de memória depois de estar em contato com meu advogado de defesa, oficialmente nomea­do. Portanto, ele me representou de boa fé."

Esta declaração, que evidentemente fora escrita para ele, não parece de todo convincente, mas, na época, os juízes não tinham outra alternativa senão usá-la e rejeitar a moção. Pouco depois da audiência, Hess tornou a afirmar que só podia lembrar-se do passado muito re­cente e ateve-se a esta atitude durante todo o julgamento, exceto numa ocasião em que tornou a afirmar dramaticamente que estava fingindo. O Dr. G. M. Gil­bert, psicólogo da prisão, que mantinha contato diário com todos os acusados, chegou à conclusão de que Hess realmen­te sofria de amnésia histérica, cujo grau, contudo, variava consideravelmente de quando em vez. Mas, seja qual for o diagnóstico certo do estado mental de Hess, toda a sua atitude e reação estavam tão longe do normal que não nos con­venceram muito quanto à sua habilidade de defender-se.

Depois da entrega da acusação, o Dr. Gilbert também obteve e registrou as primeiras reações de cada prisioneiro. Vale a pena mencioná-las porquanto prenun­ciam as futuras dissensões entre os acu­sados e o fracasso em desenvolver uma estratégia conjunta de defesa. Alguns na­da disseram sobre a verdade ou falsidade das acusações, mas apenas atacaram a acusação em termos violentos. Göring sentou ignorá-la com um lugar-comum cí­nico: "O vencedor será sempre o juiz e o derrotado, o acusado". Naturalmente, para Streicher o julgamento foi apenas um "triunfo do Sionismo Mundial." Frick afirmou que -"toda a acusação se baseava na suposição de uma conspiração fictí­cia". No outro extremo da escala, Speer reconheceu francamente a justiça geral da acusação e não tentou justificar-se­: "O julgamento é necessário. Há uma res­ponsabilidade comum por crimes tão hor­ríveis, mesmo num sistema autoritário". Frank reconheceu essencialmente a mes­ma coisa, embora numa forma menos ra­cional e de acordo com uma fé religiosa recém-encontrada: "Considero o julgamento como um tribunal determinado por Deus, destinado a examinar e a pôr fim à terrível era de sofrimentos sob o domínio de Adolf Hitler". Jodl disse muito cautelosamente que lamentava a "mistura de acusações justificadas e pro­paganda política". A maioria dos acusa­dos estava disposta a condenar, explicita­mente ou por implicação, os crimes co­metidos por outros, mas negavam indi­vidualmente a própria culpa, dizendo que não haviam estado envolvidos de modo algum (Schacht: "Não compreendo por que fui acusado"; Dönitz: "Nenhum des­ses pontos da acusação me diz respeito"), ou que haviam simplesmente obedecido o chamado do dever (Keitel: "Para um soldado, ordens são ordens"; Kaltenbrun­ner: "Só cumpri meu dever como órgão de informação"), ou porque o destino fora demais para eles (Funk: "Se sou considerado culpado... por erro ou igno­rância, então minha culpa é uma tragédia humana, não um crime"). Os dois mais jovens, von Schirach e Fritzsche, força­dos subitamente a encarar seu Terceiro Reich como ilusões destroçadas, parece­ram genuinamente abalados, mas mesmo eles não conseguiram pronunciar uma única palavra espontânea de remorso ou arrependimento.


Inicia-se o julgamento

Às 10 horas da manhã do dia 20 de novembro, iniciou-se o julgamento, en­volto na atmosfera tensa de uma grande ocasião. Mas o tribunal tomara o cuida­do de manter sob controle os aspectos emocionais e espetaculares, restando ape­nas o mínimo de formalidade que a digni­dade do tribunal exigia: não houve pom­pa cerimonial e nenhum esforço para se obter efeitos dramáticos. Os juízes russos estavam fardados, mas não ostentavam qualquer condecoração. Os outros traja­vam simples togas pretas; no caso dos franceses, seus peitilhos tradicionais da­vam um toque de elegância formal. Os advogados da defesa usavam beca, mas os da acusação, não. Apenas a presença dos guardas militares americanos, com seus vistosos capacetes, lembrava, visual­mente, que não se tratava de um julga­mento comum. As palavras de abertura do Lorde-Juiz Lawrence foram solenes em conteúdo, mas admiravelmente livres de pomposidade: "O julgamento que ora se inicia é único na história da jurispru­dência mundial, sendo de suprema impor­tância para milhões de pessoas em todo o globo. Por esta razão, cabe a todos os que participam deste julgamento a res­ponsabilidade solene de cumprir seus de­veres sem temor nem favor, de acordo com os sagrados princípios da Lei e da Justiça. Tendo os quatro signatários evo­cado o processo judicial, é dever de todos os interessados cuidar para que o julga­mento não se afaste de modo algum des­ses princípios e tradições que dão à Jus­tiça a sua autoridade e o lugar que ela deve ocupar nos assuntos de todos os estados civilizados."

Como se fosse necessária uma demons­tração para avisar às multidões que lota­vam as galerias de visitantes e da im­prensa que o julgamento não seria um prolongado festival dramático, o restante da sessão foi dedicado à leitura de toda a longa acusação, para fins de registro. Ninguém deu muita atenção, pois todos sabiam agora o que dizia a acusação, e na tarde do primeiro dia, como acontece­ria com demasiada freqüência nos meses seguintes, o tédio desalentador dos detalhes técnicos desceu sobre o tribunal. No dia seguinte, depois que os réus negaram a acusação (Kaltenbrunner esteve hospitalizado durante os primeiros 16 dias do julgamento e não admitiu a veracidade da denúncia, mais tarde. Supôs-se que Borman, que estava ausente, também te­ria negado a acusação) e depois que o Presidente impediu firmemente o impa­ciente Göring de fazer um discurso, Jack­son iniciou a leitura do libelo acusatório.

A batalha forense que então começava duraria quase um ano, a despeito dos contínuos esforços do tribunal para eli­minar matérias despropositadas e repe­tidas. Ninguém queria que tal acontecesse e, na verdade, a duração do julgamento é uma das suas desvantagens mais óbvias. A parte todas as considerações práticas e humanitárias, as questões essenciais fica­ram indistintas e se perdeu grande parte do impacto moral potencial. Desde o mo­mento em que a "Conferência de Lon­dres" adotou o conceito de conspiração, ficou claro que o julgamento não poderia estar concluído dentro das poucas sema­nas que tinha, inicialmente, de prazo, mas, mesmo aqueles que conheciam a ex­tensão e a complexidade dos problemas em exame não imaginavam que levariam tanto tempo para solvê-los. Então, por que aconteceu isso? Cremos que a razão principal encontra-se em certos defeitos do estatuto que o Tribunal tinha de obe­decer.

Os delegados haviam concordado com o texto da Carta depois de muita contro­vérsia, sob a pressão do tempo e antes que todas as diferenças pendentes sobre questões de política e jurisprudência ti­vessem sido plenamente esmiuçadas. Como resultado, a Carta registrava im­precisões e ambigüidades, deixando con­siderável margem para interpretação, so­bretudo no que se refere à definição dos crimes capitulados no Artigo 6º. E, como era de esperar, a acusação apresen­tou suas alegações com base em interpre­tações muito amplas, algumas das quais o Tribunal acabou por rejeitar. Dois ca­sos são particularmente importantes no nosso contexto:

1. A acusação afirmou que se teria iniciado a conspiração no momento da fundação do Partido Nazista e que, por­tanto, qualquer um teria participado des­se crime, se tivesse dado apoio efetivo ao movimento nazista em qualquer momen­to de sua existência, entre 1919 e 1945. Se este ponto de vista tivesse sido aceito, homens como Schacht e von Papen, que tiveram papel saliente na subida de Hitler ao poder e na consolidação de seu deplo­rável governo, não teriam escapado à condenação. Mas o tribunal verificou que esta não era a lei. Permitam-nos citar a sentença:

"A Carta não define Conspiração. Mas, na opinião do Tribunal, a conspi­ração deve ser claramente delineada em seu propósito. criminoso. Ela não deve estar muito distante do momento da de­cisão e ação. Para ser criminoso, o pla­nejamento não deve apoiar-se apenas nas declarações de um programa partidário, como os encontrados nos 25 pontos do Partido Nazista, anunciados em 1920, ou nas afirmações políticas expressas no Mein Kampf, anos mais tarde. O tribu­nal deve examinar se havia um plano concreto para fazer guerra e determinar a posição dos participantes nesse plano concreto... É evidente que se planejou fazer guerra, já a 5 de novembro de 1937 e, provavelmente, antes disso." Mais adiante explicaremos a importância da data de 5 de novembro de 1937.

2. A acusação admitia que a conspi­ração para cometer crimes contra a hu­manidade também estava coberta pelos termos da Carta e que o terror exercido pelos nazistas dentro da Alemanha antes da deflagração da guerra estava dentro da jurisdição do tribunal. Quando se lê o enunciado do Artigo 6º, é fácil per­ceber como a acusação chegou a esta in­terpretação, mas o tribunal negou a validade das duas hipóteses. Quanto à pri­meira, declarou ele que "a Carta não define, como crime separado, qualquer conspiração exceto a de cometer atos de guerra de agressão", e quanto à segunda: "Com relação a Crimes contra a Hu­manidade, não há dúvida de que, adver­sários políticos foram assassinados na Alemanha antes da guerra e que muitos deles foram confinados em campos de concentração e em circunstâncias de grande horror e crueldade. Certamente a política de terror foi levada a cabo em larga escala e, em muitos casos, foi organizada e sistemática. A po­lítica seguida na Alemanha, antes da guerra de 1939, de perseguição, repres­são e assassinato de civis que poderiam ser hostis ao governo foi empreendida da maneira mais implacável. A perseguição de judeus, no mesmo período, está confirmada sem a menor sombra de dúvida. Para serem admitidos como Crimes con­tra a Humanidade, necessário se torna que os atos perpetrados antes da defla­gração da guerra tenham sido realizados na execução de, ou em conexão com qualquer crime dentro da jurisdição do tribunal. O tribunal é de opinião de que, ainda que muitos desses atos fossem cri­mes revoltantes e horríveis, não está satisfatoriamente comprovado que tais atos tenham sido perpetrados na execução de, ou em conexão com qualquer dos crimes previstos (na Carta do Tribunal). Por­tanto, o tribunal não pode fazer uma declaração geral de que os atos cometidos antes de 1939 foram Crimes contra a Humanidade, segundo o significado con­tido na Carta..."

Houve outros exemplos deste tipo, mas o que citamos acima basta para compro­var nosso argumento. Não é preciso dizer que, uma vez feita uma acusação específi­ca, a promotoria obrigava-se a apresentar provas, e os advogados de defesa tinham de receber a oportunidade de refutá-las; assim, passavam-se horas incontáveis no exame das provas, na inquirição e rein­quirição de testemunhas e nos argumen­tos processuais relativos a questões que nem deveriam ter sido incluídas nas acu­sações. Isto não quer dizer que todo esse tempo foi completamente desperdiçado. De qualquer modo, dentro de limites ra­zoáveis, era preciso determinar os ante­cedentes históricos gerais e a história pes­soal do acusado. Mas não deixa de ser verdade que os trabalhos poderiam ter sido muito abreviados se as definições nas quais os juízes tinham de basear seus ve­reditos tivessem sido formuladas com maior clareza na Carta. Isto também teria impedido boa parcela da confusão de idéias que ainda existe com relação ao julgamento, pois grande parte da crítica feita às suas bases legais dirige-se contra a lei, tal como a acusação a compreendia, não contra a lei realmente aplicada.

Jackson iniciou suas alegações com uma denúncia eloqüente da tirania nazis­ta e uma declaração da sua crença ardente no princípio da justiça penal interna­cional, culminando com as seguintes palavras: "A civilização pergunta se a Justiça é tão lenta a ponto de ser com­pletamente incapaz de lidar com delitos dessa magnitude, cometidos por crimino­sos dessa ordem de importância. Ela não espera que torneis impossível, de futuro, fazer a guerra. Ela espera, sim, que vossa ação jurídica coloque as forças do direi­to internacional, seus preceitos, suas proi­bições e, acima de tudo, suas sanções do lado da paz, para que homens e mulheres de boa vontade, em todos os países, pos­sam ter "a liberdade de viver, sem depen­der da permissão de ninguém, sob a pro­teção da lei".

Na frieza da palavra impressa, essa elo­qüência soa falso, mas, se se pode confiar nas testemunhas oculares, a oração foi impressionante e adequada para as cir­cunstâncias e para a atmosfera do momento. Jackson tampouco se limitou à eloqüência esperada da promotoria. Ele era suficientemente capaz de prever pelo menos algumas das explicações e contra­-acusações que a defesa poderia apresentar. Não procurou apresentar um quadro em branco e preto: Os Estados Unidos e as outras nações, por não reverem o "Tratado de Versalhes" onde precisava ser revisto, por não lograrem encorajar os elementos verdadeiramente democratas na Alemanha, por ignorarem queixas jus­tificadas, não estão isentos de culpa pelas condições que possibilitaram ao nazismo. E se os alemães foram os primeiros a demonstrar ao mundo todo os horrores da guerra total, os aliados mostraram ser bons alunos. Mais de uma vez ele deixou claro que o propósito dos trabalhos não era incriminar todo o povo alemão. Ele argumentou que, se o povo alemão ti­vesse aceito de boa vontade o programa de Hitler, os nazistas não teriam neces­sitado de "tropas de assalto", de uma Gestapo e de campos de concentração para estabelecer e consolidar seu poder.

Que este argumento equivale a uma sim­plificação ingênua e excessiva de um pro­blema, nada simples, de interpretação his­tórica, é outra questão; no tocante ao julgamento, não passava da pura verda­de dizer que a idéia de uma culpa cole­tiva "dos alemães" não encontraria lugar dentro do tribunal, e a reafirmação dessa verdade por Jackson foi oportuna e eficaz.

Ao mesmo tempo, estava claro que a questão da culpa ou inocência dos vinte e dois indivíduos não era a única questão em debate. O julgamento seria, acima de tudo, um instrumento de justiça penal, mas lembramo-nos de que outro dos seus propósitos reconhecidos era o de pôr a nu e desacreditar moralmente a realidade do nazismo em todas as suas manifesta­ções, bem como faze-lo de maneira tal que nenhum colorido histórico jamais conseguisse ocultar a verdade essencial. Havia mais que simples zelo moralizador nesse objetivo - na prática, ele fazia sentido, pois se a ascensão e a queda do Terceiro Reich era, por qualquer avalia­ção sóbria, um capítulo negro na história alemã, ele não deixava de ter certo in­teresse como história de aventuras, na escala mais ampla. Visto de longe, no tempo, ele pode muito bem transformar­-se num mito nacional perigoso. É verda­de que, imediatamente apos a derrota, a maioria dos alemães estava desiludida, envergonhada da ignomínia cometida em seu nome e odiando os líderes que, no fim, a haviam abandonado. Mas o povo alemão estava enfrentando, ao que pa­recia, muitos anos, senão décadas, de di­ficuldades e impotência política: não se­ria ele, cedo ou tarde, tentado a olhar para os anos de poder e conquista, sob o domínio de Hitler, como uma época de grandeza nacional, e tentar atenuar os crimes e loucuras que inevitavelmente le­varam à catástrofe? Algo parecido ocor­rera depois da Primeira Guerra Mundial, com desastrosas conseqüências, e não ha­via razão para supor que tal não ocor­resse novamente. Hermann Göring, cujo nome encabeçava a lista de acusados, pre­viu com confiança que assim seria, espe­rando que essa possibilidade inspirasse seus companheiros de prisão a fazer uma última defesa do nazismo, num espírito de solidariedade e desafio. Informa-se ter ele dito a Funk, certa ocasião: "Você deve aceitar o fato de que sua vida está perdida. O que resta saber é se está dis­posto a ficar do meu lado e morrer como mártir. Não se sinta tão triste; algum dia, o povo alemão se levantará novamente e nossos ossos serão trasladados para ataúdes de mármore, num monumento nacional."

Mas, ao contrário do que a maioria esperava de homens que eram havidos como discípulos fanáticos de Hitler e do hitlerismo, não era natural uma atitude de Nibelungéntreue, de fidelidade até a morte, nos acusados de Nuremberg. O fanatismo demonstrado durante o fastígio do hitlerismo evanesceu ao esfumar-se o delírio do insano, senão antes, sobreviven­do apenas nas crises de exaltação mórbi­da de Streicher e talvez, como imagem re­fletida, no complexo de culpa de Hans Frank, com seus inequívocos elementos histéricos. De modo geral, os acusados não demonstraram nem arrependimento profundo pelo seu passado nazista nem muita relutância em renegar suas antigas lealdades. Não há dúvida de que, neste sentido, eles foram encorajados pelos seus consultores jurídicos, em virtude de razões óbvias. Mesmo assim, sentimo-nos um pouco chocados com a displicência com que um acusado após outro ignorava o credo nazista, como algo que nunca tivessem levado a sério: as doutrinas da luta de raça e do "sangue e solo", a glo­rificação da guerra e do poder, toda a ideologia antidemocrática, anticristã, anti­libertária e anti-racional do Mein Kampf. Mesmo Rosenberg, o filósofo nazista, ao que manifestava então, não devia ser le­vado muito a sério sobre o que escreveu. Quanto ao Führer, não há como negar que todos eles haviam estado sob seu en­canto hipnótico, até que descobriram - alguns mais cedo, outros mais tarde, mas todos tarde demais para fazer algo - que ele era um "mentiroso compulsivo", um "neurótico a quem o sucesso havia trans­formado num louco", o "destruidor do seu próprio povo". A famosa magia da personalidade de Hitler não causara um impacto suficientemente profundo para sobreviver ao seu fracasso e morte. Os homens que estavam sendo julgados em Nuremberg pareciam lembrar-se dele sem o menor afeto ou estima. Uma crença, ardente e compartilhada, numa causa po­lítica, muito embora derrotada, e uma devoção comum à memória do seu líder morto poderiam ter criado um espírito de camaradagem, a despeito das dispari­dades existentes em caráter, educação e antecedentes sociais. Mas na verdade havia muito pouca fraternidade. Embora esses homens estivessem na mesma pri­são e fossem processados perante o mes­mo tribunal, enfrentando a mesma acusa­ção, não se podia dizer que estavam todos no mesmo barco, pois, como observamos mais atrás, a natureza e o alcance do envolvimento nos supostos crimes dife­riam muito de um acusado para outro. Compreendendo isto, cada um deles estava basicamente interessado no preparo da sua defesa pessoal e temerosos de que seriam prejudicados com a associação com companheiros cujos casos pareciam piores que o seu. Streicher era o pária do grupo, cuja companhia era sempre evitada por todos. Quanto a Kaltenbrunner, que não estivera presente nos primeiros dias do julgamento por motivo de doen­ça, ao regressar do hospital se viu quase que totalmente isolado: a maioria dos outros achava que a companhia do Che­fe do SD das SS, com sua "cara de cava­lo manhoso" (a descrição é de Rebecca West), era constrangedora. Schacht, com um ar provocador de afetada respeitabi­lidade e superioridade intelectual, deixou claro para todos que se considerava o único acusado que não tinha nada a te­mer; talvez um ou dois mais pudessem alimentar esperança de absolvição, mas o resto não passava de criminosos co­muns. Os generais e almirantes, insistin­do que o código de disciplina militar os absolvia automaticamente de responsa­bilidade moral e legal, negavam que, mes­mo no contexto de um estado totalitário, pudesse ser usada a mesma linha de de­fesa para os "porcos das ST" ou para os administradores políticos. O que alguns dos outros pensavam sobre a tentativa das altas patentes de se abrigarem por trás de "ordens superiores" foi vigorosamente expressado por Speer:

"Eles fizeram grandes discursos herói­cos sobre luta e morte pela pátria, sem se arriscarem. E agora, quando têm a vida em perigo, tremem e procuram todos os tipos de desculpas. Este é o tipo de he­róis que dirigiram a Alemanha para a destruição."

Seria ilusório tentar tirar proveito des­te e de outros indícios de discórdia entre os acusados. Estamos tratando da pri­meira parte do julgamento, quando ape­nas um ou dois deles já haviam tomado posições firmes em resposta à acusação. Exceto nos esboços mais vagos, os acusa­dos ainda ignoravam as inquirições indi­viduais a que teriam de responder, e as provas que seus acusadores tinham pron­tas. O estado de espírito e a atitude po­diam mudar, rápida e radicalmente, a cada novo desenvolvimento da batalha forense. Não obstante, restava a impres­são predominante de que nenhum dos acusados, com uma notável exceção, faria questão de "não" implicar seus compa­nheiros, e, na medida em que a intenção era mostrar o caráter maléfico e crimino­so do nazismo como tal, podia-se esperar que os acusados deporiam, na verdade, como testemunhas da acusação. Hermann Goring foi a exceção.

O Nazista Número Um, que sobrevi­vera, estava em estado deplorável no fim da guerra. Anos de comodismo indisciplinado, inclusive vício em drogas, a consciência de ter fracassado como chefe da Luftwaffe e como ditador da econo­mia de guerra alemã, a derrota na guerra de intrigas contra Himmler, Goebbels e Bormann, culminando na humilhação fi­nal da rejeição total por Hitler, tudo isso o arrastara à quase ruína mental e física. Todavia, a vida disciplinada da prisão, combinada com o tratamento que lhe ministraram, resultara numa recupe­ração extraordinária, de que muito se or­gulhava o comandante americano da pri­são. "Quando Göring veio de Mondorf para minha mão", disse o Coronel An­drus, "era um sujeito lerdo e atoleimado, com duas maletas cheias de paracodeína. Pensei que fosse um vendedor de drogas. Mas libertamo-lo do vício e o transfor­mamos num homem".

Haveria momentos em que o Juiz Ja­ckson e seus colaboradores amaldiçoa­riam a eficiência do coronel e dos psi­quiatras da prisão, neste caso específico, pois não demorou muito para que Gõöring fizesse um esforço decidido para reunir seus companheiros de prisão em torno de si, e transformá-los numa frente sólida e unida. Tivesse ele conseguido isto e a tarefa da promotoria teria sido muito mais difícil. Houve momentos em que parecia ter logrado sucesso. Juntamente com as aptidões física e mental, Göring recuperara a velha arrogância e comba­tividade. Depois do doloroso período de declínio e frustração, ele via no julga­mento a sua última chance de desempe­nhar um papel importante e de se proje­tar na admiração de uma platéia mundial. ­Não tinha ilusões quanto ao que lhe estava reservado e não se estava vanglo­riando, quando proclamava repetidamen­te que não lhe importava o desaparecimento mais cedo nas mãos do carrasco, ou mais tarde de algum outro modo; "jamais temera a morte". Contudo, es­tava profundamente preocupado com sua "reputação na história", conforme disse, e, quando estava num dos seus estados mais eufóricos, realmente acreditava que seu sonho do futuro monumento nacio­nal, e do ataúde de mármore, podia vir a realizar-se. Grande parte dependeria da maneira como ele e os outros cujas vidas estavam sendo julgadas se compor­tassem durante a provação. Ele compre­endia claramente as inferências maiores do lado político do julgamento. Assim como o aniquilamento moral do nazismo era, para a promotoria, mais importante do que a punição de criminosos indivi­duais, o objetivo principal de Göring era prejudicar a cruzada política liderada por Jackson. E, como nada tinha a perder, Göring podia lançar-se à tentativa com todo o entusiasmo.

Göring não só conseguiu tornar-se o foco da atenção pública, mas também, no processo, criou para si uma grande dose de respeito e simpatia, ainda que mais ou menos relutantes. Jornalistas, vi­sitantes, pessoal do tribunal e até mesmo alguns dos juízes e advogados ficaram im­pressionados; e mais ainda porquanto o público em geral o subestimara muito, ilu­dido pela imprensa, que o havia pintado como um bandido desmiolado, cuja apa­rência seria ridícula, quando privado dos seus esplêndidos uniformes e das meda­lhas cintilantes. É verdade que Der Dicke (O Gordo), como os alemães gostavam de chamá-lo, provavelmente nunca teve um pensamento profundo ou original em sua vida e seus vangloriados interesses culturais eram uma grande farsa, mas ele possuía considerável inteligência prática. Nos testes de inteligência aplicados pelo Dr. Gilbert aos prisioneiros, Göring foi o segundo, sendo superado apenas por Schacht. Tinha excelente memória para fatos e números, normalmente captava o ponto essencial de um argumento aparen­temente complexo, e era em geral muito arguto ao jogar com as fraquezas de ou­tros: em suma, teria sido um bom advo­gado. Também era um ator nato. O papel que decidiu desempenhar no palco de Nuremberg era o do veterano, de fala rude, com um coração de ouro; um com­batente violento que não guarda rancor, terminada a luta; um realista lúcido e um amante das boas coisas da vida, que des­preza as ilusões e a simulação; um ho­mem que tudo arrisca, e um bom perde­dor; um patriota simples, que desconfia de todas as ideologias políticas. Quando uma testemunha o descreveu como "a última personalidade da Renascença", Göring ficou encantado. Era exatamente este o efeito que procurava causar, e o homem realmente esforçava-se bastante, em seu desempenho, para tornar o papel convincente, pelo menos para os que não o observavam com muito cuidado. Confundir expansividade com boa índole e cinismo com honestidade intelectual é um erro muito comum. Na realidade, Göring nem tinha boa índole nem era honesto. Ele diferia do resto do círculo de Hitler na medida em que os atos de destruição e o espetáculo de sofrimentos não lhe da­vam um prazer perverso; neste sentido, ele não era de natureza má. Porém, para satisfação da sua vaidade e cobiça, ele mentiria e mataria com a máxima impie­dade. Seu senso de humor - ele tinha realmente certo senso de humor - era grosseiro e destituído de calor humano. Ainda assim, à medida que a atmosfera do julgamento se tornava cada vez mais opressiva, suas gargalhadas freqüentes e sua linguagem obscena traziam um ligei­ro alívio, sempre bem-vindo no ambiente tenso do tribunal.

Outros réus seguiram caminho mais consentâneo, e tentaram explicar sua con­duta passada afirmando terem sido ins­trumentos relutantes do ditador, sem po­deres de decisão próprios; mas, para Góöring, esse tipo de defesa era inconcebível; teria sido contrário à sua natureza tru­culenta, e totalmente incompatível com seu desejo de ser reconhecido como ho­mem de estatura histórica. Naturalmente, o seu bom senso deve ter-lhe feito crer que não teria a menor chance de que acreditassem nele, por ter estado ativa e proeminentemente envolvido em todos os aspectos do nazismo. Sua or­gulhosa declaração, repetida sempre que se oferecia oportunidade, de que estava preparado "para assumir toda a respon­sabilidade" de qualquer ato que tivesse cometido ou de que tivesse conhecimento, pareceu impressionante, mas o que isto queria dizer? Na realidade, ele não tinha muito que escolher. Onde se podia provar sua participação num crime, não fazia diferença se ele "aceitava a responsabili­dade" ou não; onde não havia prova su­ficiente em contrário, ele podia afirmar ignorância do crime cometido - como todos os outros.

Idênticas ponderações se aplicam às ex­pressões de lealdade de Göring a Hitler. Num momento em que o nome de Adolf Hitler estava sendo execrado por mi­lhares de ex-seguidores, que agora pro­curavam bajular os vencedores, Göring mostrou um instinto mais lógico, ao se recusar a falar em termos depreciativos do falecido Führer. Todavia, examinan­do-se mais atentamente suas palavras de louvor a Hitler, essas parecem bastante indiferentes, havendo nelas mais do que simples sugestão de críticas mantidas em reserva. Sente-se que Göring estava con­vidando os ouvintes a apreciar, não tanto o caráter e gênio de Hitler, mas a virtude dele, Göring, em conservar sua lealdade. Nesse ponto ele não corria nenhum peri­go; uma declaração geral de lealdade só lhe podia acentuar o prestígio. Restava ver se ele teria a força de manter a atitude no banco das testemunhas, sob a pressão da reinquirição.

Contudo, somente um observador par­ticularmente arguto, ou alguém que co­nhecesse Göring muito bem, poderia re­conhecer a insinceridade das suas admi­ráveis atitudes. De modo geral, durante os três meses e meio que a promotoria precisou para a apresentação das provas, sua truculência espirituosa, ainda que de­savergonhada, parecia quase admirável, se comparada com a exibição - patética - de medo evidente e abjeto de Ribben­trop, por exemplo, ou a falta de dignida­de por parte do Feldmarechal von Keitel, que ficava logo em posição de sentido toda vez que um simples soldado em uni­forme aliado lhe dirigia a palavra; ou o ar de desumana impiedade de Kalten­brunner e Frick. Quaisquer que fossem os malefícios passados do "Gordo", gran­des parcelas do público estavam come­çando a considera-lo - ingenuamente, se quiserem, mas compreensivelmente - como um "sujeito e tanto"; reputação esta que até certo ponto ainda perdura, e que sem dúvida se deve, em parte, ao fato de, no final, ter escapado ao car­rasco. O aparecimento de uma legenda de Göring, que não podia deixar de ter seus efeitos sobre todos os acusados, era a última coisa que Jackson queria ou es­perava; mas permitam-nos observar que Göring não poderia ter desempenhado seu papel com sucesso, durante qualquer período de tempo, se os objetivos da acusação tivessem sido menos ambicio­sos. A acusação, formulada em termos amplos e muito imprecisos, por "crimes contra a paz" permitiu a Göring dirigir seus ataques verbais contra as partes po­líticas, portanto, mais vulneráveis, das alegações da acusação, ao mesmo tempo que evitava enfrentar o tópico fatal, isto é, da sua responsabilidade por atrocida­des sistemáticas. Crente firme do prin­cípio do qui s'excuse, s'accuse, ele en­frentou a acusação de "fomentador de guerra" com a contra-acusação de "hipo­crisia". Não era o planejamento e o pre­parativo de guerra um crime internacio­nal? Como se as nações vencedoras já não estivessem afiando suas armas para futuros conflitos sangrentos entre si. (O discurso de Churchill em Fulton, a 2 de março de 1946, o primeiro reconheci­mento público, por parte de importante estadista, de que havia um estado de "guerra fria", provocou viva satisfação entre os prisioneiros de Nuremberg.) E não era a mais pura mistificação o fato de os representantes da União Soviética estarem julgando outros pelo crime de planejar um ataque à Polônia? Todos os acusados haviam pensado nesses pontos óbvios, mas Göring foi o primeiro a pro­clamá-los em altos brados.

Usando habilmente ora a lisonja, ora a intimidação, Göring fez um esforço sis­temático para reunir sob sua bandeira tantos dos seus companheiros de prisão quanto possível. Para ele foi uma luta difícil. Mas, embora seja verdade que nenhum dos outros acusados se revelasse disposto a identificar-se com o derrotado regime nazista tanto quanto Göring, somente dois deles resistiram-no firme e sistematicamente até o fim. Um era o velho inimigo de Göring, Schacht, cuja posição era muito forte, porquanto havia rompido com o nazismo relativamente bem cedo; no seu caso, a escolha natural era uma política de "esplêndido isola­mento". Albert Speer, como se tornou evidente depois de algum tempo, era um antagonista mais eficaz ainda - o que foi inesperado por ter sido ele, a princí­pio, uma figura fechada e obscura. Sua violenta condenação da liderança nazista em geral, e de Göring, seu sobrevivente mais importante, em particular, teve muito mais peso, pois Speer a ligou ao reconhecimento irrestrito da sua própria responsabilidade. Contudo, os outros va­cilaram, submetendo-se ao domínio de Göring em diferentes graus e por perío­dos de variada extensão. Esse comporta­mento é perfeitamente compreensível, pois lhes teria sido extremamente difícil permanecer insensíveis aos apelos que Göring fez à sua lealdade e ao seu orgu­lho viril. A proposta estratégia de defesa agressiva tinha seus atrativos. Ademais, eles ainda temiam bastante este homem, outrora enormemente poderoso e formi­dável. Embora estivessem cônscios de que Göring não tinha mais o direito de comandar, e nenhum meio de lhes impor sua vontade, sentiram dificuldades em livrar-se do hábito da obediência. Mui­tas vezes, sua intromissão na consulta dos outros com seus advogados era humil­demente tolerada. Houve casos em que um acusado, prestes a tomar uma atitude aconselhada por seu advogado, voltava atrás ao confrontar o furioso veto de Göring. Em meados de fevereiro de 1946, as autoridades estavam preocupa­das com esta situação a ponto de emi­tirem novos regulamentos para dominar a influência de Göring sobre os outros prisioneiros. Na prisão, os acusados de­viam ser mantidos em estrito isolamen­to, inclusive durante o período de exer­cícios; também não lhes permitiram mais as refeições em conjunto, como antes, na mesma sala, e sim em seis salas dife­rentes - Göring, sozinho; os outros vinte indiciados em grupos de quatro.

Tais medidas nos parecem agora um modo canhestro e mesquinho de enfren­tar as ameaças do "Gordo"; elas eram o sintoma de uma atmosfera progressi­vamente claustrofóbica.

Em seu Diário de Nuremberg, o Dr. G. M. Gilbert nos deu um relato deta­lhado e, em certas partes, divertido desta batalha travada nos bastidores, mas, em­bora a história esteja cheia de interesse psicológico, ela tem pouca importância, no que se refere ao julgamento. A frente unida, exigida por Göring (que, repeti­mos, sabia que nada tinha a perder), não foi, em tempo algum, uma possibilidade prática. Não era possível transformar os prisioneiros de Nuremberg em heróis. A maioria deles imaginava, acertada ou erroneamente, que podia melhorar suas chances no tribunal, repudiando a antiga lealdade e, portanto, a repudiariam total­mente, no fim. Na linguagem grosseira de Göring, "eles venderiam a alma para salvar seus pescoços imundos". Na ver­dade, não tinha importância. Desafio ou arrependimento, negativas ou confissão, solidariedade ou o egoísmo do cada um por si, em última análise, só duas coisas contavam realmente: o peso das provas e a interpretação da lei pelos juízes.


Documentos importantes

Muita gente - lamentavelmente, tam­bém alguns historiadores eminentes - ­parece ter idéias muito curiosas sobre o que foi provado ou refutado, ou que res­tou de duvidoso das provas examinadas em Nuremberg. Mas devemos reconhecer que não é fácil extrair-se uma idéia geral e clara das provas. Até agora ninguém conseguiu escrever um sumário do caso relativamente conciso e correto (a ten­tativa mais útil, feita pelo Professor Whitney R. Harris, em Tyranny on Trial, omite quase que totalmente as alegações da defesa - e, mesmo assim, atinge a mais de 400 páginas). Somente uns pou­cos especialistas se animariam a enfren­tar a tarefa, sem dúvida gigantesca, de examinar os quarenta volumes do rela­tório do julgamento. Os juízes já estavam no conhecimento do problema quando deram seus vereditos, conforme mostra este trecho:

"As provas têm sido esmagadoras, em volume e detalhes. É impossível para este tribunal examiná-las adequadamente, ou registrar a quantidade de provas do­cumentais e orais que têm sido apresen­tadas."

Não é apenas o simples volume do material que torna extremamente difí­cil separar os pontos essenciais da evidên­cia do que é inadequado, ou relativa­mente comum. Outros fatores são a grande disparidade na natureza dos pre­tensos crimes, a incerteza de alguns dos conceitos legais básicos e as deficiências da processualística do tribunal, que teve de ser em grande parte improvisada para um tipo novo de julgamento. Se tentar­mos ler as transcrições do julgamento em ordem cronológica, sessão por sessão, logo nos perderemos no labirinto de detalhes aparentemente desconexos. So­mente depois de demoradíssimo estudo é que se começa a discernir os contornos de um padrão subjacente, ou melhor, de vários padrões sobrepostos.

No começo, os quatro grupos da acusação concordaram numa divisão de trabalho, separando o assunto do julga­mento em categorias definidas de modo geral, correspondendo em parte aos qua­tro pontos da denúncia e, em parte, à localização geográfica dos crimes. Os americanos, que eram a equipe maior, tratariam do Plano Comum e da Guerra de Agressão; os britânicos (dirigidos por Sir Hartley Shawcross - como líder ofi­cial da delegação britânica, Shawcross pronunciou as orações de abertura e en­cerramento, mas seu adjunto, Maxwell­-Fyfe, dirigiu as alegações britânicas no tocante às provas), cuidariam dos crimes em alto mar e das violações dos tratados; os soviéticos (dirigidos pelo General Rudenko) tratariam dos Crimes de Guer­ra e Crimes contra a Humanidade no Leste; e os franceses (no início dirigi­dos por M. de Menthon e, depois, por M. Champetière de Ribon), tratariam de crimes idênticos no Oeste. Evidentemen­te, este plano de trabalho não podia ser obedecido muito rigorosamente ainda que no primeiro estágio, quando as provas estavam sendo preparadas, e muito menos durante os trabalhos nas sessões do tri­bunal. Era inevitável que houvesse exces­siva superposição e repetição, por mais que os magistrados tentassem evitá-las. Lorde Kilmuir chamou a atenção para outro fator que causava complicação: "Tendo apresentado as provas horizontal­mente, por assim dizer, para abranger a acusação, elas tinham de ser resumidas verticalmente para mostrar como cada acusado estava implicado." Por último, para facilitar as coisas, as provas contra as organizações acusadas foram aborda­das em audiências separadas, perante co­missários, embora abrangessem em gran­de parte o mesmo terreno coberto pelas provas apresentadas diretamente ao tri­bunal. "

Se o tribunal não podia examinar ade­quadamente a prova durante a audiência, por certo não podemos faze-lo no espaço deste livro. O que nos propomos é indi­car as linhas gerais segundo as quais se conduziram as alegações da defesa e da acusação, citar alguns itens importantes das provas nas quais o tribunal deposita­va particular confiança e, assim, talvez eliminar alguns equívocos que se popularizaram. Mas, embora não possamos fa­zer um sumário das provas, podemos afirmar que o conjunto de provas aceito pelo tribunal tem resistido aos testes de pesquisa histórica, que tem sido intensa e muitas vezes hostil, e que, por mais controvertidas que algumas conclusões possam ser, há muito pouca coisa, em suas descobertas concretas, das quais se possa duvidar seriamente.

Como explicamos mais atrás, a acusa­ção continha muitos pontos sobre os quais, no final, os juízes se recusaram a decidir, não porque a acusação falhasse em "provar" sua veracidade sem qualquer dúvida razoável, mas porque os atos em questão não estavam suficientemente li­gados com a guerra e, portanto, na opi­nião do Tribunal Militar Internacional, não eram crimes a serem julgados nos termos da Carta do TMI. Assim, grande parte dos trabalhos realizados na sala do tribunal - podemos dizer que em pro­porção grande demais - foi dedicada a questões sem nenhuma importância legal, ou de importância indireta para esse jul­gamento, embora algumas delas consti­tuíssem crimes que um tribunal alemão poderia julgar adequadamente. As pri­meiras tentativas nazistas de derrubar a "República de Weimar" pela força; a subversão subseqüente da democracia alemã; o fluxo interminável de propa­ganda racial e chauvinista; a tomada do poder por fraude e logro, e a consoli­dação do poder por meio do terror; o tormento das igrejas cristãs; a persegui­ção aos judeus antes da guerra - a história desses acontecimentos enche centenas de páginas dos registros do jul­gamento, mas nenhum dos acusados em Nuremberg foi punido por qualquer des­ses crimes. Tampouco, ao contrário do que muita gente ainda crê, o rearmamento da Alemanha ou outros prepara­tivos gerais para a guerra como tal foram considerados crimes contra a paz, quer tenham constituído ou não infrações do "Tratado de Versalhes", e isto inclui as tomadas da Áustria e da Tchecoslová­quia que, tendo sido realizadas por amea­ça de força, foram classificadas como "ações agressivas", não como guerras de agressão. Mas devemos observar uma vez mais que a promotoria não podia ter evi­tado a introdução de todas essas questões até certo ponto, mesmo que tivesse in­terpretado os artigos da Carta de ma­neira tão restrita como o fizeram os juí­zes posteriormente. Os juízes, que durante todo o julgamento mostraram-se ansio­sos por excluir ao máximo possível ques­tões legalmente inadequadas, reconhece­ram expressamente isto na sentença. Um trecho característico reza o seguinte:

"A guerra contra a Polônia não ocor­reu subitamente... Pois os desígnios agressivos do governo nazista não foram acidentes resultantes da situação política imediata da Europa e do mundo; eles foram parte deliberada e essencial da po­lítica externa nazista."

De igual modo, as piores atrocidades e atos de genocídio tiveram muito pouco que ver com as exigências da guerra ou com o enfraquecimento das inibições mo­rais que é inseparável de uma luta pro­longada e amarga: elas só podiam ocor­rer tal como ocorreram porque o veneno do ódio racial fora um elemento essen­cial da doutrinação nazista, desde o co­meço do movimento. Para o tribunal, era nitidamente importante avaliar os fatos à luz da significação histórica dos crimes imputados, e devemos lembrar-nos de que o registro nazista ainda não havia sido divulgado ao mundo, na forma de um relato coerente e documentado. Entre­tanto, como suas características notáveis devem agora ser consideradas como co­nhecimento comum, podemos limitar aqui os nossos comentários à prova direta dos crimes de que foram os réus acusados.

Comecemos com os crimes contra a paz, definidos no Artigo da Acusa­ção sob n° 2 como participação no pla­nejamento, preparativo, iniciação e em­preendimento de guerras de agressão. (O n° 1 da denúncia não precisa ser examinado em separado, pois, em vista da decisão do tribunal de que "a conspiração não deve estar muito distante do mome­nto da decisão e ação", não parece haver distinção real entre "conspiração" e "participação no planejamento e preparativo.")

Naturalmente, foi muito fácil para a promotoria mostrar que a Alemanha nazista era culpada daquilo que a denún­cia chamara "guerras de agressão, que também eram guerras que infringiam tra­tados, acordos e garantias internacionais." Neste contexto, não importava muito que a Carta do TMI deixasse de formular com precisão o que queria dizer por "guerras de agressão", pois qualquer que fosse a definição de "agressivo" que se pudesse adotar, ela se aplicaria ao caso; incontestavelmente a Alemanha atacou a Polônia, Dinamarca, Noruega, os Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Iugos­lávia, Grécia e a URSS, embora nenhum desses países tivesse cometido, ou ameaçado cometer, qualquer ato de hostili­dade contra a Alemanha. A promotoria não precisou referir-se ao Tratado de Versalhes ou a outras obrigações legais que o regime de Hitler herdara da "Re­pmblica de Weimar", e que o Führer alegava estar moralmente justificado em repudiar. O governo nazista, ao cometer as agressões de que foi acusado, rompeu indubitavelmente as garantias formais e voluntárias de que respeitaria a inviolabilidade dos países que agrediu.

Contudo, parecia menos fácil fixar com razoável exatidão o momento, no tempo, em que as tendências geralmente agressivas do nazismo se transformaram em objetivos expansionistas concretos, a serem alcançados, assim que a chanta­gem política deixasse de ser eficaz, pela força das armas. Entretanto, era preciso determinar este momento decisivo - do contrário, de que maneira o tribunal po­deria determinar quais dos acusados - se houvesse algum - estavam implicados na acusação de "conspiração" ou planejamento de guerra de agressão? Para a promotoria, foi um golpe de sorte a des­coberta, no meio de arquivos alemães capturados, de quatro documentos impor­tantes que, lidos contra o pano de fundo dos acontecimentos reais, proporcionaram uma prova realmente formidável de três fatos fundamentais: primeiro, que em novembro de 1937, senão antes, as in­tenções de Hitler se haviam transformado em decisão; segundo, que daí em diante o planejamento da agressão foi definido e coerente em todos os deta­lhes, deixando apenas a sincronização precisa e outros detalhes para serem de­terminados por oportunidades e contin­gências futuras; terceiro, que num ou noutro momento, durante esse período, os elementos de cúpula dos setores mili­tar e civil foram informados da decisão de Hitler. Com esta prova documental, já não era mais uma questão de simples conjetura o fato de que havia um plano diretor de agressão, ajudado e favorecido pelo menos por alguns dos acusados.

O mais antigo desses quatro documen­tos tornou-se famoso como o chamado Memorando de Hossbach. Ele consiste de uma nota longa e cuidadosa (embora não literal), compilada pelo ajudante-de­-ordens pessoal de Hitler, Hossbach, de uma reunião realizada na Chancelaria do Reich a 5 de novembro de 1937. Além de Hitler e Hossbach, estavam presentes: o General von Blomberg, então Ministro da Guerra; o General von Fritsch, Co­mandante-Chefe do Exército, e três dos acusados de Nuremberg, a saber: Göring, Raeder e von Neurath, represen­tando a Força Aérea, a Marinha e o Ministério das Relações Exteriores.

Hitler convocara a reunião para fazer uma declaração programática de impor­tância tão básica, que pediu aos presen­tes que a encarassem como seu testa­mento político, na eventualidade de sua morte. Começou com a suposição de que a falta de espaço vital adequado era o problema básico da Alemanha; pro­blema cuja solução estava na Europa e não podia ser resolvido por meios pací­ficos. Alguns excertos breves da nota de Hossbach falarão por si:

"Não se trata de conquistar povos, mas de conquistar espaço agricolamente útil. Também seria mais conveniente pro­curar território produtor de matérias-pri­mas na Europa, diretamente adjacente ao Reich, não além-mar... A história de todos os tempos - o Império Romano, o Império Britânico - prova que toda ex­pansão territorial só pode ser realizada rompendo a resistência e correndo riscos. Para a Alemanha, a questão está em saber onde se pode fazer a maior con­quista possível pelo menor custo."

Que o território a ser conquistado teria de ser encontrado em algum lugar da Europa era evidente, mas, como Hitler observou, isto não queria dizer que se podia evitar conflito com as potências ocidentais.

"A política alemã deve levar em conta seus dois odiosos inimigos, Inglaterra e França, para quem um poderoso colosso alemão no centro da Europa seria into­lerável. Esses dois estados se oporiam a um fortalecimento ulterior da Alema­nha, tanto na Europa como além-mar, e eles teriam apoio de todas as partes, nessa oposição... A questão alemã só pode ser resolvida pela força, e esta nunca é destituída de riscos. Se colocar­mos a decisão - de aplicar força com risco - no alto das seguintes exposições, então resta-nos responder as perguntas "quando" e "como"...

Mas Hitler ainda não estava pronto para decidir sobre o "quando" e o "como". Diferentes situações internacio­nais que poderiam surgir - em seu dis­curso, Hitler distinguiu três "casos" igual­mente prováveis - exigiriam diferentes táticas. Contudo, em nenhuma circuns­tância a Alemanha poderia permitir-se adiar sua iniciativa por muito tempo:

"Se o Führer ainda estiver vivo, então será sua decisão irrevogável resolver o problema do espaço alemão o mais tar­dar entre 1943 e 1945. A necessidade de ação antes de 1943-1945 será examinada nos Casos 2 e 3."

Mas, embora ainda não estivesse certo sobre se esmagaria a oposição das potências ocidentais "antes" de iniciar uma guerra de conquista no Leste, ou o con­trário, Hitler não tinha dúvidas de que, como medida estratégica preliminar, a primeira oportunidade favorável deveria ser usada para tomar a Áustria e a Tchecoslováquia:

"Para robustecer nossa posição poli­tico-militar, o primeiro objetivo, no caso de complicação bélica, será conquistar a Tchecoslováquia e a Áustria simulta­neamente, para eliminar qualquer amea­ça dos flancos, no caso de nosso possível avanço para o Oeste... A anexação dos dois países à Alemanha seria, do ponto de vista militar e político, de grande uti­lidade, porque melhoraria o problema das fronteiras, facilitaria o deslocamento de combatentes para todos os fins necessá­rios, e nos possibilitaria a formação (com o pessoal das nações anexadas) de novos exércitos, até alcançarmos um efetivo de cerca de doze divisões."

Se nos primeiros discursos e escritos de Hitler já houvesse referência a con­quistas extraordinárias e ao domínio do mundo, teria sido possível encará-los como simples transportes de imaginação, destinados a satisfazer instintos naciona­listas demagógicos. Entrementes, Hitler adquirira poder e, com ele, responsabili­dades. Na "Conferência de Hossbach" ele não se dirigiu a uma multidão emotiva, mas a uns poucos, aos seus principais lugares-tenentes; tampouco se referia a um futuro distante. Será crível que aque­les que o ouviram ainda estivessem cé­ticos quanto à seriedade das suas inten­ções, como alguns deles pretenderam fa­zer acreditar, mais tarde?

O outro documento importante foi um registro, feito pelo Major Schmundt, também ajudante-de-ordens de Hitler, de uma conferência militar realizada no ga­binete do Führer, na Chancelaria do Reich, a 23 de maio de 1939. Entre os líderes militares presentes estavam Göring, Keitel e Raeder. Já então a Ale­manha nazista havia anexado a Áustria e a Tchecoslováquia, em três momentos, sem ser obrigada a fazer guerra; a amea­ça de guerra, ajudada pela política de pacificação da França e Grã-Bretanha, bastou para assegurar esses sucessos pre­liminares. Hitler solenemente renunciara então a todas as ambições territoriais ulteriores e, a 28 de abril de 1939, de­clarara que as intenções hostis da Ale­manha para com a Polônia em particular "não passavam de invenção da imprensa internacional". Menos de um mês depois, a 23 de maio, é que ele notificou ofi­cialmente, pela primeira vez, aos seus Comandantes-Chefes e ao Estado-Maior Geral da Wehrmacht sobre sua decisão de atacar a Polônia, deixando claro que a decisão não era uma conseqüência da Questão de Danzig ou de qualquer outro litígio diplomático entre a Alemanha e a Polônia:

"Danzig não é de modo algum o mo­tivo do litígio. Trata-se de expandir nosso espaço vital no Leste, de assegu­rar nossos suprimentos de alimentos e da solução do problema báltico. Só po­demos esperar suprimentos de alimentos vindos de áreas esparsamente popu­ladas. Além disso, a fertilidade natural e técnica alemã aumentarão enormemente o excedente. Não há nenhuma outra pos­sibilidade na Europa... A solução do problema requer coragem. Fugir a esta solução, procurando uma adaptação às circunstâncias, é inadmissível. As circuns­tâncias devem ser adaptadas às necessi­dades. Isto é impossível sem a invasão de estados estrangeiros ou ataques às propriedades estrangeiras.. .

"Portanto, não há como poupar a Po­lônia, restando-nos a decisão de atacá-la na primeira oportunidade apropriada. Não podemos esperar uma repetição do caso tcheco (conquista pacífica, à custa de ameaças). Haverá guerra. É impe­rioso que se isole a Polônia. O êxito do isolamento será decisivo ... O seu isola­mento é uma questão de habilidade po­lítica."

E se, afinal, a habilidade política fosse incapaz de impedir que Grã-Bretanha e França corressem em auxílio da Polônia, então a Alemanha deveria concentrar-se primeiramente na guerra no Oeste: "A guerra com a Inglaterra e a França será uma luta de vida ou morte".

Embora a política de isolamento da Polônia não obtivesse êxito total, parte importante dela completou-se a 22 de agosto de 1939, quando da assinatura do pacto de não-agressão entre a Alemanha e a União Soviética. No mesmo dia, Hitler tornou a convocar seus Coman­dantes-Chefes para dizer-lhes que era che­gado o momento de agir. Existem três versões do sumário do discurso que ele fez nessa ocasião (um desses documen­tos referia-se a um segundo discurso, que Hitler teria pronunciado no mesmo dia, para outra platéia e essencialmente sobre os mesmos pontos), diferindo em ex­tensão e nos detalhes da redação, embo­ra não em conteúdo. Citamos uma das versões:

"Para mim, sempre foi evidente que, cedo ou tarde, teremos um conflito com a Polônia. Já tomara esta decisão na pri­mavera... Queria estabelecer uma rela­ção aceitável com a Polônia, a fim de lutar primeiro contra o Oeste. Mas este plano, que me era agradável, não pode ser realizado, já que pontos essenciais mudaram. Tornou-se-me claro que a Po­lônia nos atacará, em caso de conflito com o Oeste...

"Agora a Polônia está na posição que eu queria... Só temo que no último momento algum porco imundo (Schwe­inehund) faça uma proposta de media­ção... Já começamos a destruir a hege­monia da Inglaterra."

E este trecho é de uma das outras versões:
"O objetivo é eliminar forças vivas, e não chegar só a certa linha... Mesmo que tenhamos guerra no Oeste, a des­truição da Polônia será o primeiro obje­tivo. Apresentarei uma causa propagan­dística para iniciar a guerra - não importa que seja, ou não, plausível. Depois não se perguntará ao vencedor se ele disse a verdade ou não. No começar e fazer uma guerra, o que conta não é o direito de faze-la, mas a vitória...

"A ordem para iniciar será dada pro­vavelmente no sábado, pela manhã [26 de agosto de 1939]."

O quarto documento importante é tam­bém o registro, desta vez literal, de um discurso de Hitler, examinando, como frisa a Sentença do TMI, acontecimen­tos passados e reafirmando intenções agressivas. A reunião teve lugar a 23 de novembro de 1939, com a Polônia já conquistada e a guerra no Oeste em comppasso de espera. Hitler queria cons­cientizar a todos de que os triunfos obtidos se deviam não a uma sucessão bem explorada de acidentes históricos, mas à firmeza com que ele, o Führer, se tinha apegado aos elementos essenciais do seu grande plano, embora as medidas toma­das para a sua conclusão variassem com as circunstâncias. Eis como ele sintetiza as origens imediatas da guerra:

"Um ano depois, veio a Áustria; este passo também foi considerado duvidoso. Ele trouxe considerável reforço para o Reich. A etapa seguinte foram a Boêmia, a Morávia e a Polônia. Também não foi possível realizar essa etapa numa única campanha. Primeiramente era preciso terminar as fortificações ocidentais (a "Linha Siegfried"). Não era possível atin­gir o objetivo num único esforço. Desde o começo, tornou-se-me evidente que não podia ficar satisfeito com o território dos Sudetos Alemães. Esta solução era ape­nas parcial. Tomou-se a decisão de inva­dir a Boêmia. Seguiu-se então a criação do Protetorado e com isto lançou-se a base para a ação contra a Polônia, mas para mim, na época, não estava muito claro se eu devia começar primeiro con­tra o Leste e depois contra o Oeste, ou vice versa...

"Basicamente, não organizei as For­ças Armadas para não atacar. Sempre tive a decisão de atacar. Queria resolver o problema, mais cedo ou mais tarde. Sob pressão, decidiu-se que o Leste deve­ria ser atacado em primeiro lugar."

Esses registros reveladores estavam acompanhados de provas muito convin­centes, como uma grande pasta de dire­tivas militares sobre o "Caso Verde" (operações contra a Tchecoslováquia), outra pasta sobre o "Caso Branco" (ope­rações contra a Polônia), os diários do Ministro do Exterior italiano, Ciano, e as notas feitas pelo Embaixador Schmidt, o intérprete de Hitler.

Este material; de cuja importância nin­guém duvida, não estivera entre os pou­cos instrumentos de prova que a acusa­ção apresentara juntamente com a denún­cia. Portanto, quando, a 24 de novem­bro de 1945, as traduções alemães dos documentos importantes foram entregues aos advogados de defesa, o choque foi grande. A afirmação da acusação de que a guerra fora sistematicamente planeja­da e deliberadamente iniciada, parecera, inicialmente, apoiar-se em provas muito fracas, especialmente no tocante a um conhecimento culposo dos generais e almirantes. Só agora é que a maioria dos advogados de defesa começava a com­preender que a acusação de uma cons­piração contra a paz seria levada tão a sério quanto a denúncia de atrocidades.

Nas notas publicadas do seu diário, o Dr. von der Lippe, assistente dos advo­gados de defesa de Raeder, registrou sua reação imediata ao primeiro exame que fez dos documentos importantes:

"O menos que se pode dizer dos dis­cursos de Hitler é que são extraordina­riamente agressivos, arrogantes e auto­contraditórios... Existem três versões do discurso de 22 de agosto de 1939. A pior delas é uma mixórdia de linguagem injuriosa e da mais selvagem provocação de guerra. Se essa versão fosse autêntica, as personalidades militares de alto esca­lão que o ouviram, inclusive Raeder, não poderiam ter deixado de reconhecer ime­diatamente que o orador era um crimi­noso. Se essa versão fosse correta, poder­se-ia abrir mão imediatamente do sumá­rio da defesa. Raeder e outros acusados, que estiveram presentes àquela reunião, afirmam que a versão é incorreta. Mas é de se reconhecer que é muito difícil tragar mesmo a versão mais branda do discurso. E as coisas não parecem me­lhores quanto aos outros documentos. E aqui surge claramente a questão de sa­ber-se como os líderes militares puderam aceitar tais exposições e planos de Hitler, sem objeções."

O que dissemos talvez baste para indi­car a natureza das provas à disposição da promotoria, em conexão com os cri­mes contra a paz. A invasão da Polônia - o ato que iniciou a Segunda Guerra Mundial - foi evidentemente a agres­são de maior importância, mas os do­cumentos alemães capturados ofereceram provas idênticas e claras de agressão (seja como for que a definamos) também nos casos da Dinamarca, Noruega e todos os outros países vítimas. Os fatos com­provados por certo justificam a conclu­são do tribunal de que o "planejamento e preparativo foram efetuados da manei­ra mais sistemática em todos os está­gios". Mas efetuados por quem? Legal­mente falando, disse a defesa, por Hitler e somente por Hitler, pois eram exclusi­vamente seus a iniciativa e o poder de decisão no Terceiro Reich totalitário. Es­te argumento, assim como a defesa cor­relata de "ordens superiores" (sobre a qual falaremos mais adiante), traz con­sigo uma plausibilidade superficial, embora um exame mais atento mostre que ela só é aceitável dentro de limites estritos. O Tribunal de Nuremberg assim explicou os critérios a serem aplicados:

" O argumento de que tal planejamento comum não pode existir onde há uma ditadura completa é infundado... Hitler não poderia fazer guerra sozinho, Ele tinha de ter a cooperação de estadistas, líderes militares, diplomatas e homens de negócios. Quando estes, com o conheci­mento dos seus objetivos, lhe deram cooperação, tornaram-se parte dos pla­nos de Hitler. Eles não devem ser con­siderados inocentes porque Hitler os usou, se sabiam o que estavam fazendo. O fato de terem recebido suas tarefas de um ditador não os absolve da responsabili­dade de seus atos. A relação entre líder e seguidor não exclui a responsabilidade neste caso, como não a exclui na tira­nia comparável do crime interno organi­zado."

As frases: "com o conhecimento dos seus objetivos, lhe deram cooperação" e "se sabiam o que estavam fazendo" são claramente criticas.

Portanto, além de provar o fato da agressão planejada, a promotoria foi cha­mada a mostrar como os denunciados nos termos dos Artigos de Acusação Um ou Dois estavam cientes dos objetivos de Hitler e o que se subentende por "coo­peração". Mas, neste aspecto, havia, no mínimo, uma alegação poderosa contra todos os que tinham conhecimento dos assuntos registrados nos documentos im­portantes. Já citamos o registrado pelo advogado de defesa, von der Lippe; e outro alemão, o Embaixador Paul Schmidt, o extraordinário intérprete cujo depoimento é considerado valioso, por­que seu trabalho lhe permitia inclusive observar de perto as reações dos partici­pantes de importantes reuniões, declarou "conhecer, de modo geral, os objetivos dos líderes da Alemanha. Eram eviden­tes, desde o início, a saber, o domínio do Continente Europeu, a ser obtido pri­meiro pela incorporação de todos os gru­pos de língua alemã ao Reich e, segundo, pela expansão territorial de acordo com o lema do Lebensraum (espaço vital)."



Provas abundantes

Ao passarmos à análise das provas sobre atrocidades, não vemos como sus­tentar distinção entre os Artigos de Acusação Três e Quatro. Assim como, na opinião do tribunal, a conspiração, de que fala o Artigo de Acusação Um, e o planejamento e preparativo para guerra, de Artigo de Acusação Dois, equivaliam a  crimes contra a paz", por serem vir­tualmente idênticos, também restava ape­nas uma distinção puramente técnica entre "crimes de guerra", por um lado, e, por outro, crimes cometidos em cone­xão com a guerra ou crimes contra a paz. Também só queremos referir-nos super­ficialmente à história de horrores que, narrada em Nuremberg pela primeira vez, tem sido muito comentada e repisada no mundo inteiro.

O assassinato e os maltratos de prisio­neiros de guerra, a espoliação de terri­tórios ocupados, o terror exercido con­tra populações civis, o genocídio de ju­deus e ciganos, o uso de trabalho escravo - havia provas abundantes de que tais atos abomináveis foram perpetrados em escala gigantesca. Mas a determinação dos detalhes desses crimes caberia aos fu­turos julgamentos de criminosos de guer­ra "menores". Na sessão principal em Nuremberg, a finalidade era mostrar que quase todos os ultrajes, por mais distan­tes que estivessem entre si, no tempo e no espaço, haviam sido cometidos em obediência a um plano central que os acusados seguiram de muito boa von­tade. Também para isto houve provas abundantes. Neste ponto a promotoria beneficiou-se da paixão alemã pelo pro­cedimento organizado, que exigia que o andamento de qualquer ordem fosse ri­gorosamente registrado, em todos os es­tágios de tramitação, desde a fonte ema­nadora - com mais freqüência o pró­prio Führer - até aos executivos finais, e que a execução de tal ordem fosse devidamente confirmada por relatórios escritos. Na verdade, os registros dos atos mais clamorosamente criminosos foram minuciosamente feitos, inclusive durante as últimas semanas da guerra, quando as forças aliadas se aproximavam de todos os lados. Já mencionamos o fato de que a prova documental era suple­mentada pelo depoimento de testemunhas oculares, muitas das quais profunda­mente implicadas. É importante que se diga que ninguém, em Nuremberg, con­seguia "comprar" imunidades - se ti­vesse implicações com os crimes ali apu­rados - pela simples apresentação, vo­luntária ou não, para depor contra quem quer que seja. A profusão de indícios e provas era grande, mesmo que ignore­mos todos os itens que não são inteiramente concludentes, mas não podemos reproduzir aqui o efeito cumulativo irre­sistível. Infrações imprudentes ou delibe­radas das leis que protegem prisioneiros de guerra podem ser cometidas por todos os beligerantes, em todas as guerras, em­bora apenas em casos isolados. Mas, para o nazistas, era uma questão de princí­pio ignorar a lei internacionalmente acei­ta, sempre que isto parecesse servir às suas finalidades. Os soldados russos fo­ram as primeiras vítimas dessa atitude. Foi a 17 de julho de 1941, menos de um mês do início do ataque alemão contra a União Soviética, que a Gestapo emitiu a notória "Ordem dos Comissá­rios", dispondo sobre o assassinato de certas categorias de prisioneiros soviéti­cos. Ela foi dirigida aos comandantes da Sipo e do SD, ligados a campos de prisioneiros de guerra (Stalags). Segundo o depoimento do Chefe do SD, Otto Ohlendorf, os poderes que os oficiais da Sipo e do SD usavam nos campos re­sultaram de acordo entre Himmler e os Comandos Supremos da Wehrmacht e do Exército. A ordem continha as seguintes instruções:

"A missão dos Comandantes dos Sipo e SD nos Stalags é a investigação política de todos os internos no campo, a elimi­nação e "tratamento ulterior": (a) de todos os elementos políticos, criminosos ou, de algum outro modo, insuportáveis, existentes entre eles; (b) das pessoas que poderiam ser usadas para a reconstru­ção dos territórios ocupados.

"Sobretudo, deve-se descobrir o se­guinte: todos os funcionários importan­tes do estado e do Partido, especialmen­te os revolucionários profissionais; funcionários do Comintern; todos os fun­cuinários que fazem a política do Partido Comunista da União Soviética e suas organizações correlatas nos comitês centrais e nos comitês regionais e distritais; todos os Comissários do Povo e seus adjuntos; todos os ex-comissários políticos no Exército Vermelho; personali­dades importantes das autoridades estatais regionais; importantes personalidades do mundo dos negócios; membros da Inteligência Soviética; todos os judeus; to­dos os agitadores ou comunistas faná­ticos...

As execuções não devem ser feitas no campo ou nas suas vizinhanças... Os prisioneiros devem ser levados para tratamento especial (apurou-se que a ex­pressão "tratamento especial" significava "execução", no código dos comandantes dos campos de concentração), se possí­vel no território tomado ao inimigo".

A certa altura do julgamento, a defesa afirmou que a "Ordem dos Comissá­rios" fora emitida em represália aos métodos brutais supostamente empregados pelo exército russo. Contudo, o general Walter Warlimont, Subchefe do Estado­-Maior de Operações da Wehmacht, de­clarou em seu depoimento que as medidas preconizadas pela "Ordem dos Co­missários" já haviam sido anunciadas por Hitler aos líderes da guerra, pouco antes da invasão da Rússia. Keitel admitiu, na reinquirição, ser verdadeira a declaração de Warlimont. Várias testemunhas afir­maram que a ordem foi cumprida com eficiência durante toda a guerra, embora se desconheça o número dos que morre­ram em virtude do seu cumprimento. Só em Auschwitz morreram asfixiados, sen­do a seguir cremados, 20.000 prisionei­ros de guerra russos - declarou, em de­poimento, o comandante daquele campo de concentração, Rudolf Hoess.

A intenção de tratar os prisioneiros de guerra russos com desrespeito das leis e dos costumes da guerra foi expressada numa forma ainda mais geral nos regula­mentos do OKW emitidos a 8 de setembro de 1941, pelo general Reinecke, Che­fe do Departamento de Prisioneiros de Guerra do Alto Comando:

"O bolchevismo é o inimigo mortífero da Alemanha Nacional Socialista. O exér­cito alemão está enfrentando na Rússia não apenas um oponente militar, mas um soldado fanatizado pelas idéias do bolchevismo, tão perniciosas para o povo. A luta contra o Nacional-Socialismo tor­nou-se parte do seu sistema... Portanto, o soldado bolchevista perdeu o direito ao tratamento dispensado ao adversário honrado, de acordo com a Convenção de Genebra...

"A ordem para ação implacável e enér­gica tem aplicação sempre que houver a mais ligeira indicação de insubordinação, especialmente no caso de fanáticos bol­chevistas. Insubordinação, resistência ati­va ou passiva, devem ser destruídas pela força das armas (baionetas, coro­nhas e armas de fogo)... Os prisioneiros de guerra que tentarem fugir devem ser abatidos a tiro sem advertência prévia... O uso de arma contra prisioneiros de guerra é, em regra, legal."

Quando o Almirante Canaris, como chefe da Inteligência Militar, apresentou um protesto escrito contra a ordem de Reinecke, Keitel comentou na margem que as objeções se originavam do concei­to militar de guerra cavalheiresca, mas como as medidas se referiam à destrui­ção de uma ideologia, elas tinham sua aprovação e apoio.

A Iugoslávia foi outro país onde os alemães condenaram os soldados inimi­gos de maneira idêntica. Segundo uma ordem do exército, datada de 12 de maio de 1943, todo soldado iugoslavo aprisio­nado devia ser considerado como bandi­do e "fuzilado após interrogatório". Por outro lado, no Oeste, o maltrato e assas­sinato de prisioneiros não ocorreram na mesma escala. Certamente houve exces­sos, entre os quais o massacre de 129 norte-americanos desarmados, em Mal­medy, na Bélgica, durante a Batalha do Bolsão, em dezembro de 1944, foi um dos piores, mas houve apenas três cate­gorias específicas de casos em que o assassinato de prisioneiros foi realizado com a sanção da cúpula.

A primeira dessas categorias foi criada pela "Ordem de Comando", altamente secreta, de Hitler, de 18 de outubro de 1942:

"Doravante, todos os inimigos em cha­madas missões de comando na Europa ou na África, encontrados por tropas ale­mães, mesmo que tenham aparência de soldados em uniforme ou tropas de de­molição, estejam armados ou não, em batalha ou em fuga, deverão ser mortos até o último homem... Mesmo que de­monstrem estarem dispostos a entregar-­se, por princípio não devem ser pou­pados...

"Se membros individuais desses coman­dos... caírem nas mãos das forças ar­madas por algum outro meio, por exem­plo, pela polícia nos territórios ocupados, devem ser imediatamente entregues ao SD. O aprisionamento sob guarda militar, em campos de prisioneiros de guerra, por exemplo, etc., está estritamente proibi­do...

"Para que a conduta da guerra pela Alemanha não sofra danos graves, de­ve-se deixar claro para o adversário que todas as tropas de sabotagem serão ex­terminadas, sem exceção, até o último homem."

A fuga e recuperação de prisioneiros formou a segunda categoria de casos, no período final da guerra, abrangidos pelo "Decreto da Bala" (Kugel-Erlass), emitido pelo Supremo Comando do Exér­cito em março de 1944: "Os prisioneiros de guerra fugidos que tenham sido re­cuperados, e que sejam oficiais ou su­boficiais, sargentos ou cabos, exceto os prisioneiros de guerra britânicos e norte­americanos, devem ser entregues ao Che­fe da Sipo e do SD nos termos da de­nominada "Etapa III", quer a fuga tenha ocorrido durante o transporte, quer tenha sido uma fuga em massa ou individual...

"Os prisioneiros de guerra britânicos e norte-americanos, oficiais, suboficiais, sargentos e cabos, que forem recaptura­dos, devem ser detidos primeiramente fora do alcance da visão dos internados em campos de prisioneiros de guerra... Em todos os casos, o Comando do Corpo da Area solicitará imediatamente ao Su­premo Comando do Exército (Chefe do Departamento de Prisioneiros de Guer­ra) uma decisão sobre se eles devem ser entregues ao Chefe da Sipo e do SD."

O Chefe da Gestapo emitiu as seguin­tes instruções suplementares:
"Os Diretórios da Polícia Secreta do Estado aceitarão os prisioneiros de guer­ra que forem oficiais e tenham fugido e sido recuperados, entregues pelos co­mandantes do campo, e os transportarão até o campo de concentração de Maut­hausen... Os prisioneiros de guerra de­vem ser acorrentados durante o trans­porte - não a caminho da estação se puderem ser vistos pelo público. O co­mandante do campo em Mauthausen deve ser notificado de que a transferência é feita dentro do campo de ação da Kugel."

Dois oficiais franceses, que tinham sido internados em Mauthausen, descreveram para o tribunal como a ação Kugel era completada naquele campo:

"Os prisioneiros K eram levados dire­tamente para a prisão, onde eram des­pidos e dirigidos ao "banheiro". Este banheiro, situado nos porões do prédio da prisão, próximo do crematório, era projetado especialmente para execução [fuzilamento e asfixia].

"O fuzilamento era feito por meio de um aparelho de medição - o prisioneiro era colocado de costas contra a escala métrica, que era dotada de um dispositivo automático que disparava uma bala no seu pescoço, assim que a prancha móvel que determinava sua altura tocava o topo da sua cabeça. Se um transporte consis­tia de número muito grande de prisio­neiros K... eram exterminados por gás que os chuveiros deixavam sair em lugar de água."

O "Caso Sagan", tantas vezes comen­tado, em que cinqüenta oficiais da Real Força Aérea, que haviam fugido do cam­po de prisioneiros em Sagan, foram fu­zilados pela Gestapo ao serem recupera­dos, foi, portanto, apenas um dos muitos assassinatos do mesmo tipo, exceto pelo detalhe de a execução desses oficiais bri­tânicos ter sido efetuada por ordens di­retas de Hitler.

A terceira categoria: o "terror aéreo" aliado, isto é, ataques que os alemães pretendem terem sido dirigidos contra a população civil. Depois de vários lincha­mentos feitos por civis contra aviadores aliados que haviam sido derrubados, Himmler deu instruções, datadas de 10 de agosto de 1943, de que "não era ta­refa da polícia intervir nos choques entre alemães e aviadores terroristas ingleses ou norte-americanos que tenham saltado de seus aviões". Pouco mais tarde, Kal­tenbrunner ampliou essas instruções:

"Todos os oficiais do SD e da Polícia de Segurança devem ser informados para que não interfiram nos ataques do povo contra aviadores terroristas ingleses e norte-americanos. Ao contrário, deve-se estimular este estado de espírito."

Esse encorajamento à "Lei de Lynch" teve algum efeito, mas aparentemente não bastou para satisfazer a liderança na­zista, pois numa ordem datada de 21 de maio de 1944, Hitler estipulou que "os aviadores anglo-americanos que desces­sem em solo alemão deviam ser fuzilados sem serem submetidos a conselho de guerra, se considerados culpados de atos terroristas".

Nos termos das regras de guerra, con­forme definidas na Convenção de Haia, uma potência ocupante pode obrigar a economia de um país ocupado a arcar com o custo real da ocupação, contanto que este seja compatibilizado com a eco­nomia do país em apreço. Os alemães excederam implacavelmente esse direito limitado, a ponto de produzir fome ge­neralizada no seio do povo do território ocupado, mas os métodos empregados va­riavam de país para país, e de um mo­mento para outro. Às vezes, especialmente no caso dos países ocidentais, os nazistas afetavam certa inclinação para a legalidade, pagando pelas mercadorias enviadas para a Alemanha, fosse por meio de empréstimos forçados, para os quais abriam créditos em "contas de com­pensação" espúrias, ou simplesmente con­trabalançando o preço que deviam pagar com os custos de ocupação, avaliados de maneira arbitrária. Em outros casos, achavam que não havia necessidade de fingir. A pequena seleção de trechos que se segue, extraídos das provas apresen­tadas em Nuremberg, dissipará qualquer dúvida daqueles que pensam que o que se fazia eram transgressões esporádicas, e não uma política planejada e do co­nhecimento de grande número de pessoas.

De um decreto das autoridades milita­res alemães na Polônia, datado de 27 de setembro de 1939:
"A propriedade do estado polonês, das instituições públicas, municipalidades e sindicatos, de indivíduos e empresas po­loneses, pode ser seqüestrada e confis­cada."

De uma diretiva de Göring, datada de 19 de outubro de 1939:
"A sistemática do tratamento econômi­co das várias regiões administrativas é di­ferente, dependendo de se o país impli­cado será politicamente incorporado ao Reich Alemão, ou se lidamos com o Go­verno-Geral (da Polônia), que com toda probabilidade não fará parte da Alema­nha... Deve-se retirar dos territórios do Governo-Geral todas as matérias-primas, sucatas, máquinas etc. que sejam de uti­lidade para a economia de guerra alemã. Tudo aquilo que não for absolutamente necessário para uma escassa manutenção da simples existência da população deve ser transferido para a Alemanha..."

De uma ordem dada por Keitel a 16 de junho de 1941:
A exploração [da União Soviética] deve ser realizada em larga escala, com a ajuda das sedes de campo e de locais, nos distritos agrícolas e petrolíferos mais importantes."

De um discurso pronunciado por Ro­senberg a 20 de junho de 1941:
"O problema da alimentação dos ale­mães inegavelmente é prioritário na lista das exigências alemães no Leste, neste ins­tante, e nisto as regiões do sul da Rússia e do norte do Cáucaso devem ajudar a equilibrar a situação de alimentos alemã. Por certo não nos sentimos obrigados a alimentar também o povo russo com os produtos dessas regiões. Sabemos que esta é uma necessidade cruel, que nada tem que ver com sentimentos humanitários."

De um discurso pronunciado por Gö­ring e dirigido aos Comissários do Reich para os Territórios Ocupados, a 6 de agosto de 1942:
"Antigamente a questão era relativa­mente simples: costumava-se chamar de saque. Cabia à parte vencedora levar consigo o que tinha sido conquistado. Mas, atualmente, as coisas, parece, tor­naram-se mais humanas. A despeito disso, voltaremos aos tempos antigos, para sa­quear, e saquear de maneira completa...

"Neste momento a Alemanha controla os mais ricos celeiros que já existiram na área européia, e que vão desde o Atlântico até o Volga e o Cáucaso, terras hoje mais desenvolvidas e férteis que nunca, mesmo que algumas delas não possam ser descritas como celeiros...

"Sabe Deus porque vocês não são enviados para lá, para trabalhar pelo bem­-estar do povo sob sua responsabilidade. Vão para arrancar-lhes o máximo, para que o povo alemão possa viver... Esta eterna preocupação com o bem-estar do próximo deve acabar agora, e para sem­pre... Para mim é indiferente se, com relação a isto, vocês me disserem que o povo de lá passará fome."

De uma anotação feita, a 7 de dezem­bro de 1942, no diário de Frank:
"Se o novo plano de alimentação for levado a cabo, isto significa que só em Varsóvia e seus subúrbios 500.000 pes­soas serão privadas de alimentos...

"Eu me esforçarei para arrancar das reservas dessa província tudo o que for possível arrancar..."

De um relatório, datado de 12 de feve­reiro de 1944, feito por um oficial alemão na Iugoslávia ocupada, sobre o confisco de gado para a Wehrmacht:
"1. Se forem privados de tanto gado, os camponeses não poderão cultivar seus campos. Por um lado, eles receberam ordens de cultivar cada centímetro de solo e, por outro, o gado lhes é rudemen­te confiscado. 2. O gado é comprado por preço tão baixo que os camponeses acham que não são compensados pela perda do mesmo".

Numa categoria especial estava o saque sistemático de obras de arte, bibliotecas e arquivos; para justificar isto, nem a desculpa de estarem servindo ao esfor­ço de guerra alemão servia. Quase um mês depois de iniciada a guerra, Göring (que se vangloriava de ser "Amante das Artes") deu ordens para registrar e con­fiscar todos os tesouros artísticos polo­neses; e dois meses mais tarde seguiu-se uma ordem de rapina, assinada por Frank, "para benefício do Reich Ale­mão". Segundo um relatório oficial, "quase todo o tesouro artístico do país" foi tomado dentro de seis meses.

Depois da bem sucedida invasão ale­mã no Ocidente, Rosenberg, além das suas outras funções, foi nomeado Chefe do Centro para Pesquisa Ideológica Na­cional Socialista, criando-se uma organi­zação, o Einsatzstab Rosenberg, ostensi­vamente destinada a recolher material para o Centro. Na verdade seu propósito era levar a cabo o saque de tesouros culturais numa operação coordenada. Em novembro de 1940, Göring deu instru­ções a Rosenberg, relacionando as dife­rentes maneiras como os espólios reunidos na França deviam ser distribuídos. Os dois primeiros itens da lista rezavam:

"1. Os objetos de arte cujo uso será decidido pelo próprio Führer;
2. Os objetos de arte destinados a completar a coleção do Marechal do Reich".

"Marechal do Reich" era o título fa­vorito de Göring. Num decreto datado de 1º de março de 1942, Hitler ordenou que a Wehrmacht devia apoiar inteira­mente as atividades do Einsatzstab. A operação foi coroada de êxito, conforme o Chefe da Seção de Arte Pictórica dei­xou claro em seu relatório final:
"Durante o período de março de 1941 a julho de 1944, a equipe especial da Arte Pictórica realizou para o Reich 29 grandes embarques, incluindo 137 cami­nhões de carga, com 4.174 caixas de obras de arte".

Que a população de um território ocupado seria responsabilizada pelos atos de indivíduos "que criassem dificuldade à ocupação alemã" foi anunciado cinco meses depois da invasão da França, por um decreto do Estado-Maior Geral, au­torizando "quaisquer medidas que se possam levar a cabo". Uma dessas me­didas era a guarda de reféns, oficialmen­te introduzida no Leste e no Oeste no outono de 1941. O fuzilamento de reféns foi em grande parte contraproducente, conforme o relatório de comandante militar alemão na Bélgica e Norte da França observou, depois de um ano de experiência:

"Não há dúvida de que o resultado é muito insatisfatório. O efeito é menos repressivo do que destrutivo da sensação de direito e segurança da população; o abismo entre as pessoas influenciadas pelo comunismo e o restante da população está sendo transposto; tod os círculos estão-se enchendo de sentimento de ódio pelas forças de ocupação... "

Todavia, à medida que crescia o movi­mento dos partisans, o sistema de reféns começou a ser aplicado com severidade cada vez maior, menos como um meio de combater a Resistência do que como expressão de fúria desconcertada. O acusado Frank estava na lista, com uma declaração pública de que "Não hesitei em declarar que quando um ale­mão for fuzilado, até cem poloneses tam­bém o serão", e depois de um "complô da bomba", em Roma (março de 1944), Hitler ordenou pessoalmente que de dez a vinte italianos deviam ser exe­cutados para cada alemão morto.

Não é preciso fazer referência ao vo­lume do conjunto de provas conseguidas sobre os atos de represália em larga escala cometidos contra populações civis, como a destruição das cidades de Lídice, Oradour-sur-Glane, ou Varsóvia, como também abundantemente provados estão os métodos terroristas mais comuns dos nazistas, remoção de pessoas, sem julga­mento, para campos de concentração. Não precisamos citar amostras das cen­tenas de documentos disponíveis a este respeito. Mas talvez devêssemos mencie­nar, como uma tentativa particularmente diabólica de solapar o moral dos países ocupados, o chamado "Decreto da Noite e do Nevoeiro" (Nacht und Nebel), de 7 de dezembro de 1941, assinado Keitel. Segundo esse decreto, todos os suspeitos de infração das leis de ocupação ou dos interesses do Reich, para quem a sentença de morte não estivesse declarada, deviam ser levados secreta­mente para a Alemanha e entregues à Sipo e SD de Himmler. Suas famílias ja­mais receberiam notícia alguma sobre seu destino. Arrancados de suas casas à noite, eles desapareceriam no nevoeiro do igno­rado. Na época, a finalidade foi expres­samente exposta por Keitel:

"Em tais casas a servidão penal ou mesmo uma sentença de prisão perpétua, com trabalhos forçados serão considera­das sinal de fraqueza. A repressão eficaz e duradoura só pode ser obtida por meio da sentença de morte, ou tomando-se pro­vidências que deixarão a família e a po­pulação incertas quanto ao destino do infrator. A deportação para a Alemanha serve a esta finalidade".

O fato de milhões de homens e mu­lheres terem sido arrastados para cum­prir longos horários de trabalho na Ale­manha não foi discutido no julgamento, mas alguns dos acusados tentaram man­ter a ficção de que todos ou a maioria desses operários se tinham apresentado como voluntários, Uma vez mais, a promotoria estabeleceu facilmente a verda­de, com provas documentais obtidas de fontes alemães. No Governo-Geral da Po­lônia, uma ordem para deportação de trabalhadores para o Reich foi emitida em abril de 1940, e regulamentos idênticos foram feitos em todos os outros distritos orientais, tão logo conquistados. Sob a direção de Fritz Sauckel, que se tornou Plenipotenciário-Geral para a Utilização de Mão-de-Obra, em março de 1942, a mobilização de mão-de-obra estrangeira tornou-se tarefa de suma prioridade, a ser realizada com implacável eficiência. Vários administradores alemães, no desejo de não aumentar, o de­sespero da população, já bastante exa­cerbado, com a prepotência do ocupante, protestaram contra a brutalidade com que os homens de Sauckel agiam. Encon­tramos a seguinte descrição num desses documentos:

"No ilimitado menosprezo pelo povo eslavo, usaram-se métodos de recrutamento que provavelmente só têm precedentes nos períodos mais negros do comércio negreiro. Iniciou-se uma caçada huma­na sistemática. Sem consideração por saú­de ou idade, as pessoas eram embarca­das para a Alemanha, onde de imediato se verificou que mais de 100.000 tiveram de ser recambiadas devido a doenças gra­ves ou outras incapacidades para o tra­balho".

Nos territórios ocidentais acupados, de início houve alguma resposta aos apelos alemães para que operários se dispuses­sem a trabalhar no Reich, embora não atingisse o suficiente para satisfazer a procura, e quando as pessoas souberam, por boatos, como eram realmente mise­ráveis e humilhantes as condições de tra­balho dos operários estrangeiros na Ale­manha, praticamente cessou o suprimento de voluntários. Daí em diante, aplicou-se a coação. Na melhor das hipóteses, o recrutamento tomava a forma que o pró­prio Sauckel descreveu aos seus compa­nheiros da Junta Central de Planejamen­to, quando se discutiu a procura urgente e contínua de operários italianos, fran­ceses e belgas:

"... Passei mesmo a empregar e trei­nar toda uma equipe de agentes france­ses e italianos, de ambos os sexos, que, mediante bom pagamento, tal como se fazia, antigamente, para 'seqüestrar', saíam à procura de homens e os dopa­vam, usando bebida, para despachá-los para a Alemanha".

Na mesma reunião de 1º de março de 1944, Sauckel declarou que "dos cinco milhões de operários estrangeiros chega­dos à Alemanha, menos de 200.000 eram voluntários".

O tratamento que os trabalhadores es­trangeiros recebiam na Alemanha varia­va muito de lugar para lugar. A orien­tação oficial era para que "todos os homens fossem alimentados, acomodados e tratados de modo a produzirem o má­ximo possível com o mínimo concebível de despesa". Um memorando interno dos arquivos de uma fábrica da Krupp, em Essen, datado de março de 1942, reza:

"Durante os últimos dias, verificou-se que a comida servida aos russos empre­gados aqui é tão pobre, que eles estão ficando cada dia mais fracos... Alguns russos são incapazes de colocar uma pe­ça de metal no torno, por carecerem de força física. As mesmas condições existem em outros locais de trabalho que empre­gam russos".

Como inúmeros elementos de prova testificam, este caso não era excepcional; o maltrato sério, especialmente de trabalhadores poloneses e russos, era generalizado. A acusação não negou a existencia de casos de tratamento bom, ou, pelo menos, relativamente humano. O importante é que o órgão que recebesse trabalhadores estrangeiros podia explorá-los como quisesse e dispor de sua vida como ­lhe aprouvesse. Era-lhe permitido empregar os mais rígidos métodos disciplina­res, inclusive o castigo corporal. Acusado um trabalhador estrangeiro, na Gestapo, por desobediência, negligência ou impertinência", era o miserável levado para um ­campo de concentração, ficando o empregador com a prioridade no pedido de um substituto. Os trabalhadores estra­ngeiros não tinham direito de recorrer à lei ou a qualquer autoridade superior; na realidade, sua posição não era melhor que a de escravo.

Por último, chegamos à "Solução Final da Questão Judia", um dos acontecimentos mais horríveis em toda a his­tória e cuja motivação subjacente ainda está em grande parte inexplicada. Toda­via, a maioria das pessoas conhece cer­tos detalhes da história, e sua documen­tação, baseada nas provas apresentadas em Nuremberg, mas grandemente am­pliada desde então, tem sido reprodu­zida e analisada em dezenas de livros de fácil obtenção. Aqui, citaremos, sucin­tamente, apenas trechos de três provas importantes, sendo uma delas um do­cumento contemporâneo, e as outras, depoimentos feitos durante o julgamento. Elas dispensam comentários.

1. De um relatório do Brigadeführer da SS, Stroop, feito pouco depois da des­truição do Gueto de Varsóvia:
"Cheguei a Varsóvia a 17 de abril de 1943 e assumi o comando das ações a 19 de abril, às 8,00 horas, ações essas que tiveram início, naquele mesmo dia, às 6,00 horas... Quando invadimos o gueto pela primeira vez, os judeus e os bandi­dos poloneses conseguiram repelir as uni­dades participantes, inclusive tanques e carros blindados, por meio de uma con­centração bem preparada de fogo... A resistência dos judeus e bandidos só po­dia ser reprimida por ações enérgicas das nossas tropas, dia e noite... Portanto, decidi destruir e incendiar todo o gue­to... Os judeus normalmente abandona­vam seus esconderijos, mas muitas vezes permaneciam nos prédios em chamas e só saltavam pelas janelas quando o calor se tornava insuportável. Então, com os ossos partidos, tentavam atravessar as ruas rastejando, indo para os prédios ainda in­tactos... Depois da primeira semana, a vida nos esgotos não era agradável. Muitas vezes, ouvíamos gritos vindos de onde estavam... Bombas de gás lacrimogêneo foram lançadas nos bueiros e os judeus expulsos dos esgotos foram cap­turados. Grupos numerosos de judeus fo­ram liquidados nos esgotos e nos abrigos com explosões. Quanto mais demorava a resistência, mais violentos se tornavam os elementos das Waffen-SS, da Polícia e da Wehrmacht, que sempre cumpriram seu dever de modo exemplar... Somente pelo trabalho contínuo e incansável de todos os envolvidos é que conseguimos desentocar 56.065 judeus, cujo extermí­nio pode ser comprovado. Este total eleva-se bastante, acrescentando-lhe os que perderam a vida nas explosões e incên­dios, montante difícil de se precisar... A ação em grande escala terminou a 16 de maio de 1943, com a destruição da sinagoga de Varsóvia, às 20,15 horas".

2. De um depoimento de Rudolf Hoess, comandante do campo de concen­tração de Auschwitz de 1940 a 1943:
"Recebi ordens para construir instala­ções de extermínio em Auschwitz em ju­nho de 1941... Visitei Treblinka para ver a maneira como se efetuavam os extermínios... Outra coisa que fizemos melhor que Treblinka foi a construção de câmaras de gás, capazes de acomodar 2.000 pessoas cada uma, ao passo que, em Treblinka, as 10 câmaras de gás só comportavam 200 pessoas cada uma... Os que serviam para trabalhar eram man­dados para o campo; os outros eram ime­diatamente enviados às câmaras da morte.

As crianças em tenra idade eram invaria­velmente exterminadas, pois eram inca­pazes de trabalhar, devido à pouca ida­de... Em Auschwitz enganávamos as vítimas, fazendo-as pensar que iam pas­sar por um processo de despiolhamento. Elas naturalmente muitas vezes com­preendiam nossas verdadeiras intenções, e às vezes tínhamos tumultos e dificulda­des. Com freqüência as mulheres oculta­vam os filhos sob as roupas, mas quando os descobríamos, mandávamos extermi­ná-los".

3. Da inquirição da testemunha Otto Ohlendorf, ex-Chefe de um dos Grupos-­Tarefa Especiais (Einsatzgruppen) da Sipo e do SD:
"Pergunta: Em seu testemunho, você disse que o Einsatzgruppen tinha o obje­tivo de aniquilar os judeus e os comissá­rios, correto? Resposta: Sim. Pergunta: E em que categoria vocês colocavam as crianças? Por que razão as crianças eram massacradas? Resposta: A ordem era no sentido de exterminar toda a população judia. Pergunta: Incluindo as crianças? Resposta: Sim. Pergunta: Todas as crian­ças foram assassinadas? Resposta: Sim".


A questão da responsabilidade

A promotoria trabalhou quatro meses na elaboração do libelo acusatório, mas, quando este se completou, os acusados e seus advogados se inteiraram que tinham de enfrentar um conjunto de provas mui­to mais amplo e concreto do que haviam julgado possível no começo do julgamen­to. Uma negativa dos fatos mencionados na denúncia seria claramente inútil, o mesmo acontecendo com qualquer tentativa para diminuir sua gravidade. Só havia um campo de ação limitado para a estratégia defensiva, e dentro desses limites a defesa bateu-se tenazmente.

Logo no início do julgamento, a 19 de novembro de 1945, os advogados da de­fesa aprovaram uma moção que esva­ziava de valor a Carta do TMI na me­dida em que ela responsabilizava indi­víduos por "crimes contra a paz": afir­mavam eles que ela vulnerava o antigo princípio de que não deve ser tratado como crime, e por ele ninguém deve ser punido, o cometimento de qualquer ato que não tenha sido declarado criminoso por lei já existente quando de sua reali­zação - nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege, em sua fórmula latina convencional. Lembremo-nos de que o problema fora motivo de debates na Con­ferência de Londres. Pela complexidade que envolve, não pode ser abordado adequadamente em poucas linhas. O tribunal rejeitou a moção da defesa, não sem al­gum arrazoado complexo, mas, entre os advogados, a decisão do tribunal causou mais crítica do que aprovação.

A defesa tentou tirar o máximo par­tido de uma afirmação também muito conhecida: tu quoque ("você é outro"), considerando que, entre os crimes denun­ciados, havia pelo menos alguns tam­bém cometidos pelos aliados. Estrita­mente falando, a culpa semelhante, su­posta ou comprovada, de outra pessoa, nunca pode ser admissível como defesa legal válida, mas seu efeito moral e psi­cológico pode ser considerável. Isto deve ter pesado muito em favor dos Almiran­tes Dönitz e Raeder. Ambos tinham sido acusados de "fazer guerra submarina ir­restrita", e ambos foram absolvidos dessa acusação, alegando-se que a Grã-Breta­nha e os Estados Unidos haviam reconhe­cidamente feito a mesma coisa. É ver­dade que os advogados de defesa de Dönitz traçaram muito habilmente uma distinção precisa entre o argumento legal que estavam apresentando neste contexto e a sugestão do tu quoque, mas é de se duvidar que os juízes teriam aceito seu raciocínio, muito sutil, se não se tivessem preocupado em evitar a acusação de haver criado "uma lei para o vencedor e outra para o vencido".

Questão mais importante era a defesa das "ordens superiores", pois, na maio­ria dos casos, os acusados poderiam escudar-se no argumento de que suas ordens e seus decretos obedeciam às di­retivas de Hitler, que era o Chefe do Governo e Comandante Supremo das Forças Armadas. Nos termos do Artigo 8º da Carta do TMI, este argumento só seria visto como apelo no sentido de mi­tigar o castigo, e não se pode dizer que a Carta introduziu um novo princípio a este respeito. A posição foi a que o tri­bunal definiu em sua apreciação:

"As cláusulas deste artigo estão em conformidade com a lei de todas as na­ções. Que um soldado tenha recebido ordens de matar e torturar, em violação ao direito internacional da guerra, nunca foi reconhecido como defesa para tais atos de brutalidade... O que interessa ao Direito Penal da maioria das nações não é a existência, ou não, da ordem, mas se ao executante era deferida uma opção moral".

Essa regra jurídica é mal acolhida pela maioria dos Estabelecimentos Militares, mas na realidade representa o bom senso lógico. Um homem sujeito à disciplina militar ou, na verdade, a qualquer outra disciplina igualmente estrita, não se torna por isso um autômato sem responsabili­dade por atos criminosos. Por outro lado, não se espera que ele questione uma ordem que não seja flagrantemente ile­gal, tampouco se pede que ele seja um herói. O que ele pode fazer ou não, de­pende das circunstâncias. Ele tem o di­reito de levar em conta os riscos da desobediência, mas deve ponderá-los con­tra a gravidade do crime que lhe man­dam cometer. Deve haver um equilíbrio razoável entre o dever legal de disciplina e a necessidade moral de evitar o crime. Quanto mais alta a patente, maior pode ser o campo de ação para uma "escolha moral" e no julgamento dos principais criminosos de guerra na realidade a defe­sa saiu-se mal com a alegação de "ordens superiores", mas na época isto não ficou reconhecido com tanta clareza.

A tentativa de Göring de criar uma frente unida dos acusados foi frustrada, à medida que se tornavam as provas da acusação, em toda sua força, gradativa­mente conhecidas. Ninguém queria ser identificado com os horrores dos cam­pos de concentração, dos assassinatos em massa e do trabalho escravo. O próprio Göring fez um último e decidido esforço para defender o regime nazista e a pró­pria reputação, durante os dez dias em que esteve no banco dos réus (de 13 a 22 de março de 1946). Como a acusação fora de um tipo geral e político, os juízes julgaram correto que pelo menos um dos acusados pudesse responder na mesma moeda. Eles consideravam Göring o por­ta-voz mais adequado para o restante, e, assim, Göring pôde fazer longos dis­cursos, em vez de responder sucintamente às perguntas dos advogados. Recorrendo às táticas e recursos que tentamos des­crever, ele capitalizou prestígio no começo. No todo, também saiu-se bem na reinquirição feita por Jackson, que tão seguro estava da retidão de sua causa, que cometeu o erro fatal de perder a calma ao enfrentar a resistência esperta e arrogantemente desafiadora de Göring. Mas a reinquirição de Maxwell-Fyfe, que veio a seguir, foi fria, paciente e positiva, e sob seu interrogatório, totalmente pro­fissional, a defesa de Göring logo come­çou a desmoronar. No final, também ele, tal como os outros haviam feito, foi re­duzido a negar que estivesse ciente de fatos que, à luz da evidência, deve ter sabido, e a atribuir a responsabilidade principal dos piores crimes ao falecido Führer, que "deixou que Bormann e Himmler fizessem o que quisessem". Não restava dúvida alguma quanto a culpa de Göring, mas pelo menos ele aliviara o crescente tédio dos trabalhos pelo seu duelo enérgico com a acusação, de modo que muita gente não ficou desapontada quando ele conseguiu suicidar-se, antes de ser entregue ao carrasco.

O material recolhido continha provas abundantes não só de que os crimes mais graves possíveis haviam sido perpetrados de maneira sistemática e centralmente controlada, como se afirmara, mas também que todos os acusados, pelo menos de modo geral, estavam implicados nesse sistema criminoso: assim, a acusação, que a princípio dependera de uma ampla in­terpretação de "conspiração", tinha cer­teza de que o julgamento terminaria com a condenação de cada acusado à senten­ça de morte. Mas os Juízes logo deixaram claro que não considerariam o envolvi­mento geral, qualquer que fosse sua im­portância moral ou política, suficiente para uma condenação penal; a acusação devia mostrar, em cada caso, que o acusado estava específica e concretamen­te implicado no crime que lhe era impu­tado. Difícil tarefa, pois devemos lem­brar-nos de que, exceto em alguns casos, esses acusados nem haviam iniciado os crimes, pessoalmente, nem participado da sua execução física: eles eram acusados de terem proporcionado, consciente e vo­luntariamente, a ligação necessária entre as intenções de Hitler e sua realização final. Entretanto, conhecimento e boa vontade são estados de espírito cuja existência é extremamente difícil de se pro­var "sem qualquer dúvida razoável". Às vezes, um acusado em Nuremberg negava conhecer um acontecimento, mesmo quando se lhe mostrava a própria assi­natura aposta no documento relativo ao mesmo. Quando isso acontecia, era ine­vitável a saída de que andava tão ocupa­do, que não tinha tempo para ler tudo o que lhe davam para assinar. Ou ale­garia, para mitigar sua situação, que nos bastidores censurara uma ordem crimi­nosa de Hitler ou tentara suavizar seu impacto, embora desse mostras de ávida obediência em público. Tais explicações quase nunca eram convincentes e muitas vezes eram patentemente absurdas. Oca­sionalmente traduziam alguma realida­de. De qualquer modo, deviam ser ouvi­das e meticulosamente examinadas. E o tribunal fez isso durante outros sete cansativos meses.

No fim as sentenças impotas pelo tribunal militar internacional foram as seguintes:
Göring = morte
Hess = prisão perpétua
Ribbentrop = morte
Keitel = morte
Kaltenbrunner = morte
Rosenberg = morte
Frank = morte
Fick = morte
Streicher = morte
Funk = prisão perpétua
Schacht = absolvição
Dönitz = dez anos de prisão
Raeder = prisão perpétua
Schirach = vinte anos de prisão
Sauckel = morte
Jodl = morte
Bormann = morte (à revelia)
Papen = absolvição
Seyss-Inquart = morte
Speer = vinte anos de prisão
Neurath = quinze anos de prisão
Fritzsche = absolvição

Com dezenove condenações con­tra apenas três absolvições, a acusação podia dar-se por satisfeita. Por outro lado, o fato de que, num julgamento dessa natureza, dez dos vinte e dois acusados escaparam com vida, parece demonstrar o cuidado com que as questões legais em seu favor, e todas as circunstâncias ate­nuantes, foram levadas em conta.

Na véspera de sua execução, Goering suicidou-se engolindo uma cápsula de veneno de cianeto de potássio - somente em 1967 é que foi revelado que ele havia deixado um bilhete explicando que a cápsula de veneno tinha estado o tempo todo em uma embalagem de pomada.

Postumamente, seu cadáver foi içado à forca junto com os demais executados, num ato macabro autorizado pelos juízes do tribunal de Nuremberg. Em seguida, seu corpo foi cremado e suas cinzas jogadas num rio em Munique.


Sem tentar a tarefa impossível de exa­minar todas as provas em detalhe, a sen­tença dava apenas uma simples indicação do raciocínio em que se fundaram deter­minadas decisões; uma característica insatisfatória, ainda que inevitável do jul­gamento. As condenações à morte foram dadas nos doze casos em que isso era es­perado pela maioria das pessoas, face ao envolvimento dos acusados. Evidentemente, Göring era culpado sob todos os aspectos, não havendo praticamente nada a dizer-se como atenuante. "Göring muitas vezes, aliás quase sempre, foi a força motriz, só sendo superado pelo seu líder", afirma, na sentença, o tribunal. Ribben­trop, não satisfeito com seu papel na provocação da guerra, deu entusiástico apoio à política de opressão e ao geno­cídio desencadeados durante o conflito.

Ninguém questionou a culpabilidade de Kaltenbrunner, o segundo homem das SS - o "estado dentro de um estado" - ou de Bormann, nos últimos anos do Terceiro Reich, provavelmente o mais poderoso dos lugares-tenentes de Hitler, ou de Rosenberg, Frank e Seyss-Inquart, os sátrapas de Hitler nos territórios ocupados. Frick fornecera os instrumen­tos administrativos para a incorporação e "germanização" dos países conquistados, cabendo-lhe também a responsabilidade administrativa pelo assassinato de vários milhares de "comedores inúteis", segun­do o chamado programa de "eutanásia". Embora a influência de Streicher tivesse atingido o ponto culminante na Alema­nha antes da guerra, ele esforçou-se bas­tante por encorajar o genocídio durante o conflito, justificando-se, portanto, sua condenação nos termos do item IV da Acusação. Sauckel encarregou-se de um programa que "envolveu a deportação para trabalho escravo de mais de cinco milhões de seres humanos". Com respei­to a Keitel e Jodl, já se tem afirmado que, como soldados profissionais, eles não pertenciam à mesma categoria, embora se tivessem excedido muito no cumpri­mento das ordens superiores. Teriam eles, realmente, merecido sentença mais bran­da? Mesmo pelas poucas provas que te­mos citado, é evidente que a Wehrmacht estava profundamente envolvida nos cri­mes de agressão e terrorismo. Entre os oficiais alemães, e mesmo entre os soldados, houve quem, diante da barbari­dade das cenas a que eram obrigados a assistir, protestasse. Mas tal senso de honra e coragem moral estava tristemen­te ausente na cúpula - onde deveria ser mais forte.

Von Papen e Schacht prestaram gran­des serviços ao nazismo durante a últi­ma fase da "República de Weimar" e no período conhecido como de "consolida­ção do poder". Alegaram, entretanto, desconhecimento das intenções gerais de Hitler. O tribunal os absolveu - em­bora ressaltasse, para verberar, a respon­sabilidade dos dois velhacos na implan­tação do nazismo - admitindo que eles já não estavam em posição de influência durante o período crítico, a partir de 1937. O juiz russo era pela condenação dos dois.

Por último, alguns comentários sobre as sentenças de prisão. As de von Neu­rath (quinze anos) e Funk (perpétua) têm sido criticadas como relativamente severas. O caso de Neurath não diferia muito do de Schacht e Papen. Apenas era menos astuto. Funk não teve parti­cipação muita saliente no planejamento de guerra agressiva, embora fosse con­siderado culpado de haver tomado parte nos preparativos econômicos. O que mais pesou contra ele, no quadro das atroci­dades, foi o fato de, como presidente do Reichsbank, haver consentido nos depó­sitos de valores que as SS subtraíam das suas vítimas. Dever-se-ia notar que von Schirach não foi condenado devido às suas atividades perniciosas como líder da Juventude Hitlerista, mas pela deporta­ção de judeus de Viena, quando Gau­leiter. Speer apoiara e usara o programa de trabalho escravo, mas é evidente que sua responsabilidade não foi tão grande como a de Sauckel. Os dois almirantes, Dönitz e Raeder, foram considerados culpados de terem sido "ativos na rea­lização de guerra agressiva" (Raeder tam­bém de participar do planejamento). Am­bos exigiam dos subordinados o cumpri­mento rigoroso das ordens criminosas de Hitler, mas não estiveram tão implicados nos crimes de guerra quanto os líderes do exército. Sequer foram indiciados por "crimes contra a humanidade".

Nesta breve exposição não se focalizou a acusação de sete organizações, ou grupos, atuantes na Alemanha nazista. Quatro dos quais foram declarados criminosos pelo tribunal. Legalmente, essas acusações fo­ram algo estranhas e só tiveram efeitos práticos nos julgamentos subseqüentes de criminosos de guerra. A filiação a qual­quer das organizações criminosas seria, de futuro, considerada agravante de delito cometido, embora, por si só, não fosse classificada como crime. As provas apresentadas por ambas as partes têm sido im­portante fonte histórica, mas, em todos os outros aspectos, o valor dos trabalhos contra as organizações é duvidoso.


Inferências

Que conclusões podemos tirar de tudo isto, agora que já se passaram mais de cinquenta anos, desde o julgamento de Nuremberg? Já se disse o bastante para corrigir qualquer avaliação fácil e geral das qualidades do julgamento. Devere­mos agora examinar os diferentes aspec­tos em separado, perguntando-nos, em cada caso, o que o julgamento pretendia alcançar e o que, na realidade, alcançou.
A primeira pergunta deve ser: fez-se justiça? Em outras palavras, os acusados foram julgados imparcialmente e os pa­drões aplicados pelo tribunal estão em harmonia com o senso geral de justiça do nosso tempo? Cremos que a resposta é um Sim. À parte algumas nódoas, o julgamento foi escrupulosamente impar­cial, como tem sido prontamente admi­tido mesmo por aqueles de quem se poderia esperar uma negativa - os acusa­dos, seus advogados, a opinião pública da época na Alemanha. Em qualquer sentido comum da palavra, cada conde­nado foi realmente um criminoso, e ple­namente merecedor de castigo. É verdade que um ponto controvertido ainda conti­nua reaparecendo sempre que se discute o julgamento: o caráter retroativo das cláusulas da carta sobre "conspiração" e "guerra agressiva". É um argumento po­deroso, pois a velha doutrina do nullum crimen sine lege não pode ser posta de lado como simples detalhe técnico legal.

Mas, para os fins que colimamos, a ques­tão não é tão apropositada como pode parecer à primeira vista. O que poucos compreendem é que a inclusão de "cri­mes contra a paz" não fez muita diferen­ça no resultado do julgamento. Dos vinte e dois réus acusados de "conspiração", somente oito foram condenados por isso, mas nenhum deles o foi exclusivamente por esse motivo. E dos doze condenados nos termos do item II da Acusação, to­dos, menos Rudolf Hess, foram também condenados por participarem nas atroci­dades nos termos dos itens III e IV da Acusação. O leitor se lembrará de que a aptidão mental de Hess ao se submeter a julgamento fora posta em dúvida. De qualquer modo, ele se comportou de ma­neira estranha durante todo o julgamento e se recusou a apresentar provas em sua defesa. Teria sido isso, talvez, que indu­ziu os juízes (com o juiz soviético dis­cordando) a absolver Hess de acusações bem documentadas de "crimes contra a humanidade", poupando assim a sua vida?

Sim, o julgamento e as sentenças fo­ram imparciais; mas naturalmente isso não subentende, necessariamente, que o veredicto e a sentença, no caso de cada acusado, foram incontestavelmente certos. Não podemos perder de vista a de­claração feita pelo juiz francês, M. Don­nedieu de Vabres:

"A sentença, no caso dos grandes cri­minosos de guerra, é a expressão da justiça humana, portanto, relativa e falí­vel. Ela reflete, como é normal, a boa fé, a competência, e talvez também os preconceitos dos seus autores. Talvez não seja idêntica ao julgamento da História ou ao julgamento de Deus. Contudo, as distinções e matizes que contém, e sua moderação relativa, provam que, pelo menos, não é a expressão de uma jus­tiça empenhada em vingança".

Esta não é a voz de um obediente agente governamental, mas, inequivoca­mente, a de um juiz, no sentido mais lato da palavra. Com suas sensatas restri­ções em mente, podemos dizer que o Julgamento de Nuremberg alcançou sua finalidade imediata: a uma avassaladora e potencialmente perigosa exigência de castigo ele deu primeiramente o alívio, na forma civilizada de um processo ju­dicial genuíno.

Graças à insistência no processo de lei adequado, e à manifesta integridade profissional do tribunal, foi possível "es­crever a história do movimento nazista e confirmar acontecimentos incríveis com prova crível" com rapidez suficiente para dar o efeito político desejado. O ímpeto de um grande acontecimento público era necessário para criar o imenso aparelho pelo qual a prova fornecida por centenas de testemunhas e dezenas de milhares de documentos pudesse ser reunida e, anali­sada. E do ponto de vista da determina­ção histórica de fatos, a concepção ampla das questões do julgamento, por parte da acusação, ainda que aberta às críticas sob outros aspectos, foi uma vantagem clara.

Quanto ao povo alemão, o julgamento foi como uma terapia política de choque. Até que ponto o cidadão alemão médio sabia dos crimes nazistas enquanto estes eram cometidos? Esta pergunta é muito controversa e difícil, sendo pouco pro­vável que as pessoas jamais concordem quanto a uma resposta. Por certo, muito poucos tinham conhecimento pleno das atividades criminosas; por outro lado, muitos saberiam mais do que posterior­mente se revelaram dispostos a admitir. Quanto à maioria, provavelmente pode-se dizer que era menos uma questão de ignorância do que um caso de não querer saber. Com os fatos nus expostos, não era mais possível uma fuga mental e os alemães de boa vontade puderam dedicar-se à tarefa de "enfrentar o pas­sado" (Bewaltigung der Vergangenheit), um fator dominante da vida nacional ale­mã até hoje. E o Nacional Socialismo foi desacreditado de maneira tão cabal que as poucas tentativas de revive-lo tiveram de ser feitas sob bandeiras novas e dife­rentes. Não se repetiu o padrão da "Re­pública de Weimar", com todas as suas trágicas conseqüências. Entre os muitos fatores que têm contribuído para uma reabilitação política aceitável da Alema­nha, o Julgamento de Nuremberg não é o menos influente.

O que dissemos até agora equivale ao reconhecimento de que o Julgamento de Nuremberg foi muito bem sucedido - apesar de algumas críticas difíceis de contentar - em satisfazer as contingên­cias de uma situação particular e única. Porém ele pretendera realizar mais, e sentimo-nos menos confiantes quando consideramos se podemos aclamá-lo como um progresso importante no cami­nho para o domínio da lei entre as na­ções. Do lado positivo, pode-se observar que o Julgamento de Nuremberg confir­mou ou introduziu alguns princípios le­gais básicos que mais tarde foram refor­mulados pela Comissão de Direito Inter­nacional da ONU, num "Esboço de Có­digo sobre Crimes contra a Paz e Segu­rança da Humanidade." Citaremos ape­nas alguns que são de particular impor­tância.

À luz desses princípios, é agora incon­teste, como não o era antes do Julga­mento de Nuremberg, que o moderno di­reito internacional impede que os indi­víduos culpados se abriguem por trás do conceito abstrato do Estado. "Crimes contra o direito internacional são come­tidos por homens", dissera o tribunal, "não por entidades abstratas, e somente punindo os indivíduos que cometem tais crimes é que as normas do direito inter­nacional podem ser aplicadas". A impor­tância dessa decisão vai além da área da justiça penal; os advogados internacio­nais consideram-na um dos mais pode­rosos precedentes em apoio da tendên­cia geral para dar direitos e responsabi­lidades diretas a indivíduos, bem como a Estados.

O Esboço do Código também afirma o princípio de que os "grandes" crimi­nosos de guerra, e não apenas a gente insignificante, devem estar dentro do al­cance da lei. "O fato de uma pessoa que cometeu ato que constitui crime, segundo o direito internacional, ter agido como Chefe de Estado ou como oficial responsável do governo não o isenta da responsabilidade, nos termos do direito internacional". O Esboço do Código re­conheceu que os "crimes contra a paz" são crimes internacionais específicos. Contudo, a definição de conceitos vagos como "conspiração" e "guerras de agres­são" ficou para o futuro.

Até aqui está tudo muito bom. Não há nada de errado nos Princípios de Nu­remberg, exceto que são apenas princí­pios que não têm sequer a aparelhagem mais rudimentar destinada a pô-los em vigor. Os mesmos comentários são mais ou menos aplicáveis à Convenção do Ge­nocídio adotada pela Assembléia Geral da ONU a 9 de dezembro de 1948. Para obter-se tal aparelhagem seriam necessá­rias definições legais viáveis e o estabele­cimento de um tribunal penal internacio­nal como medida óbvia; e isto fora real­mente contemplado na resolução de 1946 da ONU, que dirigira a codificação dos Princípios de Nuremberg. Mas tentativas de transformar o Esboço do Código de 1950 num instrumento eficaz de justiça criminal, ainda que modesto, não tem passado de tragicomédia na qual se passa a responsabilidade de um para outro, entre a Assembléia da ONU, as várias Comissões Especiais e os estados mem­bros. Desde 1952, sucessivas comissões têm-se esforçado por encontrar um con­ceito geralmente aceitável de "guerra de agressão", mas não há nenhum resultado à vista. Entre 1951 e 1954, duas comis­sões sucessivas consideraram a criação de um tribunal criminal internacional, mas a Assembléia decidiu que se adias­sem os trabalhos de sua implantação até que o outro problema, o da definição de "agressão", fosse resolvido.

Alguns afirmam que, a despeito desses desapontamentos, o impacto do Julga­mento de Nuremberg ainda é perceptível. Baseiam-se no julgamento de My Lai e na iminente investigação de outras suspeitas de atrocidades cometidas no Viet­nã. Mas esses trabalhos estão sendo feitos nos termos do direito norte-ameri­cano, não do internacional, e envolvem "barbaridades individuais" e "gente insignificante". Se existe qualquer conexão com o Julgamento de Nuremberg, é coisa muito remota.

Não há como ignorar o fato de que a lei que foi aplicada aos alemães e japo­neses depois da Segunda Guerra Mundial não o têm sido aos "grandes" criminosos de guerra de outras nações desde então, e não é provável que o seja em futuro pre­visível. Quando nos lembramos da dis­cussão entre o Juiz Jackson e os dele­gados russos, na Conferência de Londres, parece-nos que, na prática, foram os últi­mos que saíram vencendo. E não poderia ser de outro modo. Num mundo tão de­sunido como o nosso, não se pode espe­rar que as nações entreguem seus líderes à jurisdição criminal internacional. O Julgamento de Nuremberg saiu-se esplendi­damente como uma medida extraordiná­ria em circunstâncias extraordinárias. Ele fez uma contribuição modesta, mas real, para o desenvolvimento de idéias progressistas na jurisprudência internacional. Devemos esperar que um dia tenhamos uma Organização das Nações Unidas dig­na do nome, e, quando isso acontecer, o Julgamento de Nuremberg também apa­recerá como um precedente de impor­tância fundamental.


Fonte: Wikpédia

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá!!
Obrigada por comentar!
Aproveita para curtir e me seguir também!
Um beijo!!